Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os macetes por trás das coletivas

Como eu ía dizendo outro dia, jornalistas americanos protestaram contra o pessoal de imprensa da Casa Branca por ter convidado um editor do site noticioso Huffington Post, Nico Pitney, para uma entrevista coletiva do presidente Barack Obama.

Protestaram não porque se tratasse dele, ou porque fosse um blogueiro, mas porque ao convite se seguiu a oportunidade de fazer uma pergunta ao presidente. Ficou a suspeita de que ele foi chamado para perguntar o que Obama queria responder. Normalmente, participam das coletivas apenas os jornalistas credenciados na sede do governo.

No bate-rebate que se formou, o público ficou sabendo que o presidente não escolhe os perguntadores ao acaso, mas de acordo com uma lista de nomes preparada de antemão pela sua assessoria.

Aqui, ó, portanto, para a igualdade de oportunidades entre os jornalistas participantes desses eventos.

As críticas procedem, mas, vindo de quem vêm, são de uma ingenuidade estonteante. Que jornalistas são esses que acham que o presidente dos Estados Unidos – ou, no caso, qualquer chefe de governo que conhece o caminho das pedras da comunicação pela mídia – chama uma coletiva para correr o risco de dizer o que não quer?

Coletivas existem, isso sim, para os entrevistados darem os seus recados, a cada vez, passando aos incautos a impressão de que estão sendo sabatinados pela sociedade, por meio da imprensa, numa periódica prestação de contas de seus atos.

A rigor, não tem mistério no que o New York Times, tentando fazer ironia, chamou “segredinho sujo” para se referir ao fato de que os presidentes quase sempre sabem o que lhes será perguntado nessas entrevistas.

Não porque os perguntadores sejam chapas-brancas, mas, primeiro, porque os assuntos na ordem do dia estão, por isso mesmo, na cara de quem quer que se interesse por ele; e, segundo, porque a preparação do entrevistado inclui não só uma pauta o quanto possível abrangente de assuntos com chances de pipocar na coletiva, como ainda um rigoroso aquecimento.

É o tal do media-training de que até o mais distraído dos leitores brasileiros decerto já terá ouvido falar, de tanto que a expressão aparece nas matérias sobre a preparação dos participantes nos debates da TV com os candidatos a cargos executivos.

Nesse exercício, gravado e filmado para avaliação posterior, os assessores se comportam como repórteres implacáveis e conhecedores das coisas, dando um jeito de fazer perguntas inesperadas até sobre os temas mais óbvios.

Por isso acaba sendo ínfima a chance de o entrevistado, na vida real, ser colhido por uma questão fora da curva, muito menos formulada em termos que sugerem que o repórter tem outro ás na manga se e quando tiver a chance de replicar a resposta recebida.

Contra isso, pouco podem os entrevistadores, já não bastasse o tanto de solenidade que cerca esses acontecimentos. É o oposto das entrevistas chamadas “quebra-queixo”, quando os repórteres tentam se valer de uma situação qualquer que estejam cobrindo para acuar a autoridade presidente com uma cacofonia de perguntas gritadas – o que há muitos anos o repórter Clovis Rossi, da Folha de S.Paulo batizou como “cenas de jornalismo explícito”.

O ritual das conferências de imprensa sempre dá margem a algum tipo de orquestração. Nos Estados Unidos, quando as coletivas começaram a ser transmitidas ao vivo – no governo Eisenhower (1953-1961) – e não havia media training, os próprios repórteres tomavam cuidado para não constranger o presidente. Alguns até confidenciavam ao assessor de imprensa o que pretendiam perguntar, se tivessem a oportunidade. O que era também uma forma de tê-la, e assim aparecer para milhões de espectadores ao vivo e preto-e-branco. (Nunca ninguém perdeu dinheiro apostando na vaidade dos jornalistas.)

Além disso, os presidentes sempre sabem quem, entre os repórteres credenciados, tende a fazer perguntas mais – ou menos – incômodas. E quem deve aos seus assessores o valioso favor de uma dica que terá rendido uma matéria exclusiva. E isso no melhor dos mundos, em que não se imagina um jornalista receber qualquer outro benefício dos poderosos.

Para tornar o jogo mais equilibrado – embora nunca tão equilibrado como seria bom para o interesse público –, um passo na direção certa é sortear os entrevistadores, quando eles são tantos que não haverá tempo para todos fazerem as suas perguntas.

Agora o que não tem remédio são os meios ao alcance do governante para fazer de cada entrevista do gênero um espetáculo em que ele se mostrará no melhor de sua forma. A própria data escolhida para o acontecimento é um desses recursos.

O presidente Lula foi muito criticado porque levou dois anos e quatro meses para dar a sua primeira coletiva – cujos participantes, por sinal, não puderam emendar uma segunda pergunta nas respostas recebidas.

Olhando em retrospecto: fez alguma diferença, para além do teatro chamado videopolítica, a demora de Lula?

Nem por isso tais coletivas são inúteis ou não devem merecer a atenção do público. O problema é que raramente a imprensa chama a atenção para o que nelas verdadeiramente interessa: as possíveis razões por que o entrevistado quis passar tal mensagem em tal ocasião, servindo-se da mídia como escada.

P.S. Acrescentado às 9h15 de 2/7

Ocupa uma coluna inteira na página A6 da Folha de hoje o melhor texto-guia sobre o esfarinhamento do Senado saído na grande imprensa. Intitulada “Crise no Senado continuará com ou sem Sarney”, a análise é do repórter Kennedy Alencar. Lá vai:

“A crise do Senado continuará grave com José Sarney na presidência da Casa ou fora dela. Motivos: ela se estende a outros senadores e possui raízes podres antigas em todas as esferas da instituição.

Sarney está na berlinda porque personifica como poucos os vícios do Senado e da tradição patrimonialista da política brasileira. Ele é o último grande oligarca do século 20.

Apesar do importante papel na transição da ditadura para a democracia em 1985, dono de um temperamento que dissipou e não alimentou crises, Sarney fez carreira política na base da troca de favores, com frequente confusão entre o público e o privado.
No entanto, senadores do DEM, PMDB, PT e PSDB, para ficar nos quatro principais partidos, também usaram o patrimônio público como se fosse particular. Se Sarney permanecer enfraquecido na cadeira, esses senadores terão de responder por seus pecados. Se Sarney sair, também.

No cenário de licença, o substituto imediato é o atual primeiro-vice-presidente do Senado, Marconi Perillo (PSDB-GO). O tucano seria candidato a mandato-relâmpago. Tem processos na Justiça e entraria na mira de peemedebistas humilhados. É detestado por Lula, e a própria bancada do PSDB acha que duraria pouco.
Na hipótese de inviabilização de Perillo, a substituta é a segunda-vice-presidente, Serys Slhessarenko (PT-MT). Ela faz parte da turma com funcionário-fantasma morando no exterior e salário pago pelo Senado. Uma licença de Sarney poderia desencadear efeito dominó.
E se o peemedebista renunciar à presidência do Senado? Nova eleição teria de ser feita em cinco dias. Talvez isso forçasse à renúncia de toda a Mesa Diretora, o que exigiria nova eleição no mesmo prazo.

Ora, o estopim da atual crise foi justamente a disputa entre as alianças inusitadas de PMDB e DEM contra PT e PSDB. Não parece haver clima para reeditar embate semelhante àquele em que Sarney derrotou Tião Viana (PT-AC).

E uma chapa única, de consenso, com um nome ‘ético’ ou inofensivo aos olhos do governo e da oposição? Seria difícil encontrar, mas há alguns poucos senadores a preencher esse perfil. Os tradicionalmente lembrados são o democrata Marco Maciel (PE) e os peemedebistas Pedro Simon (RS), Jarbas Vasconcellos (PE) e Garibaldi Alves (RN).

Mas, resolvidos embaraços políticos, estaria solucionada a crise do Senado? Não.

Motoristas continuariam a ganhar R$ 12 mil por mês, com direito a dublagem de mordomo. Dos R$ 2,8 bilhões de orçamento anual do Senado, cerca de R$ 2 bilhões servem para custear apenas a folha de pagamento de ativos e inativos -uma despesa insustentável perante uma opinião pública, que vai tomando conhecimento da caixa-preta do Congresso.

A maioria dos 600 atos secretos (que podem ser mais de mil) seria legalmente vista como ato jurídico perfeito. Traduzindo: dificilmente tais atos seriam revertidos na Justiça.

O atual primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (PI), diz que não dá para saber quantos funcionários exatamente a Casa tem. Sua secretaria é uma espécie de prefeitura do Senado. Heráclito revela que, no início do ano, o Senado tinha 12 mil e que o número caiu para cerca de 11 mil. Os contratos de terceirização de funcionários, uma mina de ouro da gestão Agaciel Maia, são outra caixa-preta. Os funcionários de carreira têm penduricalhos salariais que multiplicam seus salários.

Sarney é a cara da crise, mas não a única. Uma solução de verdade custará tempo e vontade de cortar na carne de senadores, partidos e servidores.”