Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os ‘mensageiros’ de Lula, e o leitor no escuro

O Estado publica hoje uma notícia no mínimo interessante:


O presidente Lula, “momentos antes de viajar para a África’, teria pedido a dois “interlocutores petistas, com livre acesso aos caciques do tucanato, que levassem ao ex-presidente Fernando Henrique uma mensagem de paz’.


Começa que, a julgar pela própria matéria, assinada por Expedito Filho, se trataria antes de uma sondagem do que uma mensagem.


“Lula se disse impressionado com o nível de agressividade de FHC e procurou saber dos petistas o que teria acontecido para despertar a ira do líder tucano”, diz o texto. “Vocês, que são amigos de Fernando Henrique, deveriam conversar com ele para saber o que está acontecendo.”


Diante de uma notícia como essa, a primeira reação do leitor decerto será se perguntar quem seriam os mensageiros “com livre acesso aos caciques do tucanato”, ou, na versão atribuída a Lula, “amigos” do ex-presidente.


Mas a sua pergunta ficará sem resposta. Ruim para ele, que fica no escuro, pior para a credibilidade do jornal.


Mesmo supondo que o(s) informante(s) do repórter seja(m) o(s) próprio(s) incumbido(s) de sondar a alma fernandina, o que impediria o repórter de citar o(s) seu(s) nome(s), ainda assim a matéria ficou em dívida com o leitor.


Já é mais do que tempo de os jornalistas terem pelos que os lêem a elementar consideração de informar, em casos do gênero, por que não podem dar os nomes aos bois.


Quando um repórter assume compromisso de não identificar a fonte das suas informações, isso deveria ficar explícito no texto.


Depois do escândalo do seu cascateiro repórter Jayson Blair, o New York Times adotou nessas circunstâncias a prática de dizer por que a sua fonte “em off”, como se diz por aqui, não aceita aparecer “em on”. Com o máximo possível de palavras.


E mais: o repórter deve ao menos situar o informante anônimo para o leitor ter algum elemento que lhe permita julgar a veracidade da história além da palavra do jornalista.


“Interlocutores petistas”, por exemplo, não bastaria no NYT. Quem editasse a matéria ali cobraria do seu autor que os qualificasse: são ministros? Senadores? Deputados? Dirigentes partidários?


Não precisa trair a fonte. Mas não pode brincar de esconde-esconde com o leitor.


Ninguém compra jornal para ter que deduzir, a partir da informação de que o alegado pedido de Lula teria sido feito na Base Aérea de Brasília – “momentos antes de viajar para a África” – quais das autoridades e/ou dos políticos que ali estavam para se despedir do presidente, como manda o protocolo, os escolhidos para a missão exploratória junto ao ninho tucano.


Dito isto, o meu palpite, com base no retrospecto, é que os supostos mensageiros seriam o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e o da Fazenda, Antonio Palocci. Com o ministro da coordenação política, Jaques Wagner, correndo por fora.


Mudando de assunto:


Do colunista Carlos Heitor Cony, na Folha de hoje:


“Leio cartas de leitores a mim endereçadas e a outros cronistas da praça com reclamações muitas vezes truculentas, acusando-nos de lulistas ou de fernandistas, de acordo com críticas que fazemos e até mesmo quando deixamos de fazê-las.


Clóvis Rossi e eu, para dar dois exemplos, somos alternadamente acusados em e-mails de defender os interesses de Lula ou de FHC. Se criticamos o atual presidente, somos considerados viúvas do segundo.


Tenhamos paciência. A lógica de Aristóteles, que não canso de citar, garante que a afirmação de uma coisa não é a negação de outra. Se baixamos a lenha em Lula, não quer dizer que cubramos FHC com louros.


Durante os oito desgraçados anos de FHC, fui acusado de lulista fanático e, embora tenha simpatias por ele, pessoalmente, sempre desprezei o PT, e por vários motivos. Quanto a FHC, cheguei a receber apelos de amigos muito caros e isentos para poupá-lo de minhas críticas.


Atribuir a jornais e a cronistas a torcida por tal ou tal candidato é, na melhor das hipóteses, ou má-fé, ou a humana e desculpável idiotice.”


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Serão desconsideradas as mensagens ofensivas, anônimas e aquelas cujos autores não possam ser contatados por terem fornecido e-mails falsos.