Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Paradoxos na busca de um novo modelo de negócios para o jornalismo

Enquanto os brasileiros se preocupavam com carnaval, dois fatos sacudiram o ambiente jornalístico na internet porque contrariam fenômenos que pareciam irreversíveis: o fechamento da mais inovadora experiência norte-americana de jornalismo hiperlocal; e o anúncio de que quatro jornais impressos dos Estados Unidos conseguiram interromper a sangria financeira que ameaçava a sua sobrevivência.

Dois fatos que contrariam a euforia surgida em torno da exploração do nicho local no noticiário jornalístico e o pessimismo, quase agônico, que tomou conta da maioria dos jornais norte-americanos em consequência da redução das receitas publicitárias de forma contínua desde a virada do século.

A desativação do projeto EveryBlocke a surpreendente recuperação financeira dos jornais Naples Daily News, Santa Rosa Press Democrat,The Deseret News eThe Columbia Daily Herald mostra que ainda há muita coisa a ser testada nessa transição de modelos na imprensa. Nada está definido, pelo menos por enquanto, o que é animador por um lado e desanimador por outro.

Animador porque ainda há campo para muita experimentação, o que funciona como estímulo a empreendedores e jornalistas inovadores. Preocupante por outro, porque muitos também fracassarão nessa busca por um novo modelo de negócios tanto para o jornalismo impresso como para as experiências online. A gangorra e a incerteza ainda vão continuar por algum tempo.

A avaliação dos dois episódios mostra que o problema não é a produção editorial e sim o modelo de negócios. E nisto tanto os jornais convencionais como as novas experiências de jornalismo hiperlocal estão iguais: ambas ainda não encontraram um modelo minimamente estável para garantir a sustentabilidade financeira no médio e longo prazos.

O projeto Everyblock fracassou depois de ser considerado a grande alternativa para o quase desaparecimento da cobertura local e hiperlocal porque não conseguiu a tão sonhada sustentabilidade. Ele foi criado pelo jornalista e programador Adrian Holovaty em 2007 dentro de um espírito comunitário. Dois anos mais tarde, o projeto foi comprado pela rede de TV por cabo e portal online MSNBC, uma parceria entre a TV NBC e a Microsoft. A parceria acabou em 2012 e desde então o projeto ficou com a NBC, que resolveu fechá-lo por ser deficitário.

O quatro jornais pesquisados pelo Pew Research Center têm em comum o fato de serem publicados em cidades médias dos Estados Unidos, originalmente no formato impresso e depois com uma versão online. O relatório da pesquisa revela que eles não fizeram nada de espetacular para recuperar a rentabilidade. Apenas medidas inteligentes e racionais para reduzir custos e aumentar receitas. O que elas têm em comum é o fato de procurar restabelecer a relação com a comunidade de leitores e a dos empresários anunciantes.

O fracasso do Everyblock mostra que os jornalistas ainda têm muito a aprender no relacionamento com a comunidade, porque num projeto hiperlocal ela é ao mesmo tempo a fonte de notícias e a base da sustentabilidade financeira. O equilíbrio entre receitas e despesas não será obtido exclusivamente a partir da venda de publicidade online porque ela não só é muito barata, como a grande maioria dos empresários, especialmente os de cidades médias e pequenas, ainda a veem com desconfiança. Tudo indica que um projeto hiperlocal terá que trabalhar também com trocas não monetárias, mas para que esta possibilidade se concretize é necessário um grande conhecimento do local e uma forte inserção na comunidade, itens que só poderão ser alcançados por meio de muitas tentativas de erro e acerto.

É o que o norte-americano Yochai Benkler, professor na Universidade Harvard, chama de non market economy, uma economia que funciona à margem do mercado. Neste tipo de ambiente econômico, as trocas ocorrem com base em valores simbólicos não vinculados ao dinheiro – como, por exemplo, ideias, serviços, experiência, conhecimento, informação etc. Até agora os projetos locais e hiperlocais estavam baseados apenas na produção e venda de notícias, uma herança do modelo industrial de jornalismo.

Daqui por diante, haverá necessidade de diversificar as receitas por meio da produção de serviços informativos. Esta alternativa, já testada em alguns projetos comunitários nos Estados Unidos, dá aos jornais online uma cara parecida a de um sistema tipo páginas amarelas, como o projeto Davis Wiki, criado em 2004. Trata-se de uma página noticiosa online, produzida por moradores e jornalistas, que serve de plataforma para trocas entre os habitantes da cidade de Davis, um centro universitário da Califórnia.