A reportagem da revista Época desta semana em que um ex-hierarca da administração do Senado denuncia “supostos esquemas de corrupção em todas as grandes compras, licitações e contratações” na Casa, e a nota da Veja segundo a qual o Ministério Público encontrou “um poço fundo de irregularidades” nos gastos dos gabinetes dos deputados federais indicam que só vai se acirrar a disputa na imprensa pela abertura dos porões da corrupção do Congresso Nacional.
Antes assim. Jornalistas que sabem das coisas suspeitam que os escândalos trazidos a público nos últimos três meses praticamente não foram além da superfície da “podridão” no Legislativo. Perto do que poderia revelar, por exemplo, uma apuração exaustiva de como a Câmara e o Senado escolhem os seus fornecedores, comparam, a esbórnia das passagens aéreas seria uma irrelevância.
A propósito do caso, o presidente Lula criticou a mídia por tratar como novidade uma prática que vem “desde a criação do Congresso” em vez de abordar “coisas mais importantes”.
O problema, evidentemente, é outro. Em primeiro lugar, como já se observou, se uma conduta é irregular ou imoral, o fato de vir de longe não muda o seu caráter. A sua perpetuação apenas aumenta as culpas dos envolvidos – e da imprensa também, pelo silêncio cúmplice com práticas de que tinha conhecimento.
Segundo, não é por se ocupar dos abusos daquilo que era já, em si mesmo, um privilégio, que o jornalismo descuida de “coisas mais importantes”. Aliás, poucas coisas hão de ser mais importantes do que mostrar sistematicamente o que os políticos e os administradores fazem com o dinheiro público.
Terceiro, nada do que a imprensa vem escancarando das mazelas do Congresso foi desmentido pelos fatos. Nem se pode acusar jornais e revistas de atirar indiscriminadamente em deputados e senadores. E não apareceu até agora nenhum artigo, comentário ou editorial defendendo o fechamento do Congresso.
A crítica que cabe à mídia – além daquela de raramente garimpar por iniciativa própria as maracutaias parlamentares, em vez de ficar esperando as denúncias que sobram das brigas entre eles – é a de não ter ainda mergulhado a fundo na questão do relacionamento entre os barões de mãos sujas da máquina legislativa e os congressistas que os apadrinharam.
Isso é que tira o sono dos senadores quando o ex-diretor de Recursos Humanos da Casa, João Carlos Zoghbi, e a sua mulher Denise, pressionados pela Época, acusaram o ex-diretor geral Agaciel da Silva Maia de ser sócio “de todas as empresas terceirizadas” que prestam serviços ao Senado.
Zoghbi caiu depois que o Correio Braziliense descobriu que ele instalou os filhos no apartamento funcional que não utilizava.
Agaciel caiu depois que a Folha descobriu que ele escondeu da Justiça uma mansão de R$ 5 milhões.
Zoghbi investiu contra Agaciel depois que a Época descobriu que ele usava a sua ama-de-leite, hoje com 83 anos, como laranja para ocultar “quantias milionárias” recebidas a título de comissão de bancos autorizados a fazer empréstimos consignados a servidores do Senado.
”Diante das evidências”, escreveu o repórter Andrei Meirelles, “João Carlos e Denise confirmaram a história”.
O repórter fez uma coisa rara: publicou que incentivou o casal a revelar “um escândalo ainda maior” que poderia substituir o deles como “destaque principal” da edição seguinte da revista. Jornalistas investigativos recorrem muitas vezes a essa variante de delação premiada para tornar mais loquazes as suas fontes implicadas em ilícitos. O incomum é compartilhar o estratagema com os leitores.
E foi assim que os Zoghbi entregaram Agaciel – embora não tenham mostrado provas de que ele seria de fato o “dono” do Senado, como disse Denise.
Mas, por enquanto, eles não dedaram nenhum político. Segundo a Época, na semana passada, o assunto “nos principais gabinetes do Senado” era o que Denise poderia abrir. A revista cita sem identificar um senador como tendo dito que “se essa mulher contar o que sabe, implode a cúpula do Senado”.
De todo modo, a pasta escapou do tubo. A Folha informa que, “nos bastidores da Casa, é dado como certo que os contratos das terceirizadas serviram para irrigar, por fora, campanhas eleitorais de senadores próximos a Agaciel e seus aliados”.
Na Câmara, o fio desencapado ameaça os deputados que, segundo a nota da Veja sobre as abrangentes investigações do Ministério Público, “empregam funcionários fantasmas e até tomam parte do salário de seus assessores”.
Nessa hora, só há uma forma de a imprensa responder à crítica do presidente de Lula de que, ao focalizar o Congresso, ela deixa de lado “coisas mais importantes”. É indo até o fim nas revelações do que os congressistas fazem e acontecem contra a lei e o decoro.
O ‘bônus demográfico’
Assinada pelo repórter Gustavo Patu, na Folha de domingo, 3, começa assim uma das matérias mais originais publicadas ultimamente nos cadernos econômicos dos jornais brasileiros:
“Do surgimento da nova classe média brasileira, adotada como marca pelo governo Lula, à redução dos homicídios em São Paulo, reivindicada pelo tucanato no estado, uma lista crescente de progressos econômicos e sociais dos últimos anos deve ser creditada não apenas aos méritos políticos e administrativos dos governantes, mas também a um fenômeno ao mesmo tempo mais simples e mais amplo – a transformação demográfica do país.”
A ideia é que a queda das taxas de natalidade e de mortalidade; o aumento da proporção de adultos em idade produtiva e da participação feminina no mercado de trabalho; a redução do número de filhos por família e pessoas por domicílio promovem um círculo virtuoso.
“Mais velha e crescendo menos, a população tende a ganhar experiência, produtividade e renda, num processo que pode levar até meio século”, informa a reportagem intitulada “Bônus demográfico turbina crescimento”.
“As consequências práticas são muitas”, escreve Patu. “Menos crianças significam renda familiar per capita mais alta e condições melhores para a educação; as mulheres trabalham mais com salários mais altos; casais sem filhos e com dupla fonte de rendimento são cada vez mais comuns e formam o topo da classe média; a entrada de jovens no mercado diminui a cada ano, reduzindo a informalidade e elevando os rendimentos.”
O problema é que “o bônus tem data para acabar’, adverte o pesquisador do IBGE José Eustáquio Diniz Alves. Em poucas décadas, o processo criará uma proporção de idosos dependentes tão custosa quanto a de crianças e adolescentes no passado. É a situação do Japão, país que mais crescia no mundo até a década de 80 e agora está estagnado.
[Assinantes da Folha ou do UOL podem ler a íntegra da matéria aqui.]
Crise e virose
O que a recessão global e a gripe que se chamava suína têm em comum? Os chutes que aparecem na imprensa sobre a evolução de uma coisa e outra.
No que elas deram sinal de se estabilizar, ou melhor, no que foi anunciado como sinal de estabilização em ambos os casos, houve quem decretasse que o pior da recessão e da virose já teria passado.
Ainda bem que outras vozes advertem que é cedo para assegurar seja lá o que for. Na economia e na saúde, persiste o risco da piora antes da melhora.
Todos gostamos de boas notícias. O difícil é gostar só das verdadeiras.