Na sua coluna de quinta-feira, 4, na Folha, Clóvis Rossi sustenta que a imprensa deve dar uma dura nas fontes a que recorre para previsões econômicas.
Ele propõe que os editores risquem dos seus caderninhos “todo economista/consultoria que errar por mais de 5% suas previsões sobre PIB, câmbio, juros etc.’
Mais importante é a sugestão de que “toda vez que se publicar palpite de economista/consultoria, seria obrigatório mencionar quais interesses estão em jogo, se ele tem ou recomenda aplicações no dólar ou contra o dólar, nos juros altos ou baixos, e assim por diante’.
Na sexta ele volta ao assunto a partir de uma “incrível coincidência”. No dia anterior, informa, o El País, de Madrid, publicou uma lista de profecias econômicas furadas saídas na imprensa.
Exemplo: agora mesmo, em junho – “um ano depois de eclodida a crise das subprimes”, lembra Rossi – só 13% dos conselhos dados por sete gigantes das finanças mundiais (Crédit Suisse, UBS, Citigroup, JP Morgan, Deutsche Bank, Goldman Sachs e BNP Paribas) eram para que os investidores vendessem ações. Treze por cento!
Existem dois problemas aí. Um é o costume da mídia de aceitar pelo valor de face o que os especialistas consultados ou citados dizem que vai acontecer com a economia.
É como se os editores dissessem: “Já que o prognóstico tem nome e sobrenome, e está entre aspas, a responsabilidade é do autor.”
É nada. Porque o mero fato de sair no jornal dá crédito à profecia. Afinal, se a fonte não fosse séria, um jornal sério não lhe daria espaço.
O cuidado de publicar outra profecia, apontando em direção diferente, não elimina a dificuldade. O leitor não é obrigado o conhecer o desempenho passado dos profetas escolhidos – está-se falando de assuntos um tantinho mais complexos do que o provável resultado de uma partida de futebol entre um time de primeira e outro de terceira.
Rossi, a propósito, sugere que o jornal publique periodicamente “a lista completa de palpites dessa turma toda, ao lado dos dados da realidade, para que o leitor possa saber quem chuta bem e quem chuta mal”.
A chutometria, de qualquer forma, tem agora e aqui um peso desproporcional, como diria um economista, ao índice médio de chutes que deram em gol no passado.
É que está na ordem do dia o tamanho, o alcance e a duração da rebordosa econômica da qual, dizem, o Brasil não escapará. A imprensa deposita diariamente na soleira do leitor prognósticos para todos os gostos. E isso cria expectativas e afeta o comportamento dos tais dos agentes econômicos.
”Não há como escapar de uma queda do PIB no quarto trimestre deste ano e, provavelmente, no primeiro de 2009”, prevê na Folha o economista e ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Bom, se assim é, há de raciocinar o leigo, melhor eu não me endividar, porque PIB menor e menos empregos são praticamente a mesma coisa.
Aí se volta àquela questão da profecia que se cumpre por si mesma [ver, neste blog, o artigo “A pauta é o consumidor”, de 26 de novembro].
É disso, por sinal, que vem falando o presidente Lula, com todos os “sifu” a que tem – ou melhor, não tem – direito.
Mas como é fica quando se lê que, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), “o Brasil é a única grande economia que não terá uma forte desaceleração de sua atividade econômica nos próximos seis meses”? Comparada com a da China, Índia e Rússia, a nossa será “leve”, dizem os jogadores de búzios da OCDE.
É o que também acha Gary Cohn, o co-presidente mundial da Goldman Sachs, a megafinanceira que criou a sigla Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) para designar os países que vêm (vinham?) aí a toda. “O Brasil se sairá melhor”, diz ele numa entrevista a Ricardo Grinbaum e Leandro Modé, do Estado.
Mas o que vem ao caso para o que aqui interessa – a qualidade e a isenção das projeções que aparecem o tempo todo nas páginas econômicas dos diários – é o que Mr Cohn diz no começo da entrevista.
E o que ele diz é de lascar. Tem a ver não com o futuro, mas com o passado recente – os “erros” que ele e outros da sua patota cometeram ao prever a evolução do problema do crédito na banca americana (ou, seja, da bolha imobiliária).
Erros?
Vamos nos entender. O meteorologista que diz que vai fazer sol amanhã, e é desmentido pelos aguaceiros que caem do céu no dia seguinte, errou. Ele pode ser incompetente, relapso, ou o que se queira. Mas uma coisa é certa: as suas previsões não fazem o sol sair nem a chuva cair.
Só que o pessoal de Wall Street não se compara a um observador/pesquisador da natureza sem poder para ditar o curso das coisas. A tigrada não tem o direito de posar como analistas que se equivocaram no julgamento dos fatos e foram incapazes de enxergar as nuvens da crise no céu que diziam de brigadeiro.
Eles criaram essas nuvens – e a tempestade que está aí – com as suas ações. A crise é criatura de sua ganância irrefreada, abolidos que foram os controles sem os quais a bacanal financeira não teria chegado onde chegou. Se é de erro que se trata, chama-se desregulamentação da indústria do dinheiro.
Isso é tão gritante que surpreende não ter sido mencionado pelos entrevistadores do banqueiro.
O silêncio, no caso, contribui sem querer para absolver os “senhores do universo” de Wall Street. Afinal, eles “erraram” – e em consequência também eles, como diria o presidente Lula, sifu.
Com isso se volta ao colunista Clovis Rossi. A imprensa não deveria divulgar projeções econômicas sem dar ao leitor uma idéia robusta do retrospecto do projetista nesse departamento, para que se saiba quanto valem os seus palpites, e, principalmente, uma pista dos possíveis interesses embutidos nas suas previsões, para que se avalie quanto crédito merecem.
Sem isso, é como publicar as declarações de um cidadão sobre as chances de chover muito na próxima estação do ano – sem informar ao público que o cavalheiro tem uma fábrica de guarda-chuvas.