Por que uma ida do ministro Antonio Palocci ao Senado subitamente marcada para hoje? Aparentemente, porque daqui a uma semana poderia ser tarde demais. Tarde demais sobretudo para conter o ímpeto dos que pretendem mudar a política econômica a que o presidente Lula, sensatamente, se aferra. Sem entrar na discussão técnica dos juros e do câmbio, sem entrar na incompetência ministerial generalizada do governo petista. Trata-se da política de responsabilidade fiscal.
Mas é impossível ignorar que a data de hoje aproveita o feriado de ontem. Feriado no país – com parlamentares fora de Brasília – e nas redações de jornais. Tão óbvio que ninguém percebeu. Como foi num domingo que Palocci convocou a célebre entrevista coletiva em que se saiu tão bem. Só ao longo do dia de hoje foram ficando claros os problemas que podem advir do tipo de depoimento que será dado pelo ministro daqui a pouco.
Uma parte da oposição se queixa de não ter tido tempo suficiente para a preparação de perguntas. Queixa pertinente. Como se sabe, é difícil chegar à síntese passando pela complexidade. Não muda isso o fato de que os assuntos que merecem abordagem estão sendo tratados há meses e meses. Uma montanha de informações é algo que esmaga seus detentores, ou suas vítimas.
O clima subitamente ficou nervoso e confuso. Uma comissão da Câmara dos Deputados foi deixada a ver navios. O depoimento de Paulo Okamoto foi adiado. A CPI do Mensalão conclui, como queria o governo, que não houve mensalão, apenas dinheiros de campanha “não contabilizados” (Delúbio Soares emplacou a expressão!). Incrivelmente, a mídia não se dera conta de que havia um prazo para término dos trabalhos dessa CPI.
Não está claro se foi o ministro que resolveu antecipar o embate com os parlamentares ou se foi o presidente Lula que lhe determinou fazê-lo. Ou se houve pleno acordo de ambos em torno da tática.
Sem mídia, preparação mais difícil
Não está claro se o que mais preocupa o ministro são denúncias relativas a sua passagem pela Prefeitura de Ribeirão Preto ou a defesa da política econômica. Uma coisa não exclui a outra, mas as ênfases podem ser diferentes. No que diz respeito imediatamente aos destinos da nação, a questão da economia sobreleva a da ética na política. Na Folha de hoje os promotores de Ribeirão Preto dizem não ter indícios contra o ministro, apesar do iminente indiciamento de cinco pessoas ligadas a ele e ao PT em Ribeirão Preto.
No dia 30 de outubro, a Folha noticiou um veredicto dado pelo deputado Delfim Netto: “Aftosa é ´apagão´ de Lula”. A declaração terminava assim: “O que mais o revolta é que o país desperdiçou uma oportunidade única, de grande crescimento do mundo. ´O Brasil ficou esperando a banda passar´, diz Delfim. ´Quando o mundo murchar, nós vamos murchar mais depressa ainda´”. Hoje, em sua coluna na Folha (ele escreve regularmente também no Valor e na Carta Capital), Delfim diz que “do ponto de vista da política econômica, a situação é também delicada [ele havia se referido antes à situação política], com a concentração do ´fogo amigo´ sobre o ministro Palocci”.
De volta ao começo: por que o feriado (não isolado, mas culminação de uma “ponte”, um fim de semana de quatro dias) faz tanta diferença? Porque é a mídia que fornece a maior parte da munição para os parlamentares, como para todos os demais atores políticos. Se a ida do ministro tivesse sido anunciada na sexta-feira, por exemplo, os veículos de comunicação teriam tido quatro dias para se preparar e preparar os leitores. Com ou sem feriado.
Não se afirma aqui que a escolha da data do depoimento foi determinada por esse fator. Mas ele opera, independentemente das vontades. Não se pode afirmar com certeza que essa falta de preparação servirá a propósitos do governo. Daqui a pouco o país estará no reino do imprevisto, embora não do improvisado. O grau de opacidade que envolve esse acontecimento político pode beneficiar um lado ou o outro.