Em 22 de novembro do ano passado, comentei no Observatório da Imprensa, sob o título ‘Brancos e negros no Brasil: comunicando a verdade’ uma reportagem do Estado com o sociólogo e economista Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A matéria – a rigor, uma entrevista – serviu para pôr pela primeira vez no radar da mídia o que chamei à época o ‘achado’ do professor Paixão para mostrar de forma eloquente e original a disparidade entre os principais grupos étnicos brasileiros (brancos e pretos/pardos).
Trabalhando com os dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU, que mede a qualidade de vida das populações de mais de 170 países, ele criou dois Brasís imaginários, um só de brancos, outro só de pretos/pardos.
No IDH de 2002, o Brasil, como ele é, estava 73º lugar. Sem pretos, estaria no 44º posto. Sem brancos, no 104º.
Paixão acaba de repetir o trabalho, desta vez com o IDH de 2004, divulgado há pouco mais de uma semana, informa no Globo de hoje o colunista Ancelmo Goes.
Neste IDH, o Brasil real seria o 69º de 177 países. O imaginário Brasil branco seria o 46º. O Brasil negro, o 97º. O que a notícia deixou de registrar é que o primeiro desceu duas posições. O segundo subiu sete.
Algo a ver com as políticas sociais do governo que assumiu em 2003? Com a palavra, os especialistas.
Hoje, por sinal, o professor Marcelo Paixão volta ao Estado, não como entrevistado, mas articulista. Em texto no caderno Aliás, muito bem intitulado ‘O mercado é assimétrico e perverso. Mas quem vê?’, com o sub-título ‘Na pauta das políticas públicas, as desigualdades raciais passam batido’, ele escreve:
‘O modelo brasileiro de relações raciais consiste em práticas de congelamento das assimetrias raciais. Tal padrão consiste na geração de um imaginário coletivo que passa a considerar naturais a interminável reprodução das desigualdades entres os grupos de raça/cor, na invisibilidade das demandas sociais dos contingentes discriminados e na indefinida postergação das ações do poder público no sentido de sua superação. Tais efeitos, quando postos à luz do mercado de trabalho, denotam ser evidentemente perversos, não somente contra os negros e negras brasileiros, mas para toda a nação no seu conjunto que acaba aproveitanddo de forma notoriamente insuficiente o potencial criativo de metade de sua população.’
Sugiro reler, à luz dessas palavras, a nota ‘Para que servem as datas’, publicada ontem.
P.S.1 [Acrescentado às 14h45 de 19/11]
A Folha, que desde a primeira hora tem sido o jornal brasileiro com a melhor cobertura sobre a tragédia do Gol, traz hoje sobre o assunto um furo para ninguém botar defeito: matéria assinada pela colunista Eliane Cantanhêde revela que o Boeing vindo de Manaus para Brasília não voava na altitude usual para essa rota, 41 mil pés. ‘A altitude não habitual (37 mil pés) ‘fora autorizada pelo controle aéreo’, informa Eliane. E agora, como é que fica a teoria, já em parte desacreditava, que debitava aos pilotos do Legacy a culpa pela colisão?
P.S. 2 Por falar em bom jornalismo, são de ler, no Estado, a reportagem de Paulo Moreira Leite ‘Site rastreia contas do governo’, sobre o Contas Abertas, e a entrevista da sempre competente Laura Greenhalg, no caderno Aliás, com o jurista (e ex-vice prefeito de São Paulo na gestão Marta) Hélio Bicudo.
P.S. 3 Falava ou não falava pela CNBB o bispo Aldo Pagotto, presidente da Pastoral Social da entidade, quando disse que o Bolsa Família ‘vicia’ e e só ‘uma ajuda que levou à acomodação, ao empanzinamento’?
Empanizar, é bom não esquecer, é sinônimo de empanturrar.
Segundo o bispo de Jales, SP, Demétrio Valenti, no Estado de hoje, Pagotto emitiu uma opinião ‘estritamente pessoal’.
Não é o que dizia o Globo de ontem: ‘Dom Aldo Pagotto deu as declarações ao lado do presidente da CNBB, dom Geraldo Majella (…) Embora não tenha sido tão enfático, dom Geraldo afirmou que a opinião dele representa a da entidade’.
Se assim é, é o caso de dizer: Vixe Maria, cruz credo.
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