O noticiário de hoje no Estado e na Folha parece levar às cordas a versão de que os pugilistas cubanos Guillermo Rigondeaux Ortiz e Erislandy Lara Zantaya abandonaram a delegação de seu país ao Pan para fugir de Cuba, foram capturados pela Polícia Federal e repatriados a toque de caixa [em um jatinho especialmente mandado ao Rio pelo governo de Havana].
Na mídia e no Congresso sobraram analogias com o caso da judia alemã Olga Benário, a agente soviética que se casara com Luiz Carlos Prestes, deportada para a morte certa na Alemanha nazista pelo ditador Getúlio Vargas, em 1938.
Compreende-se. Se fugas e pedidos de asilo de atletas em competições internacionais rendessem medalhas de ouro, Cuba entesouraria centenas delas ao longo dos anos.
É o caso do handebolista Rafael Capote, de 19 anos, que desertou do Rio e disse com todas as letras que quer ficar no Brasil. Ele vai atuar no Imes-Santa Maria-São Caetano, no ABC paulista.
“Perguntaram por que solicitei o refúgio e respondi que tenho possibilidade de jogar e ter melhores condições de vida”, disse ele numa entrevista. “Se voltasse a Cuba, minha família e eu sofreríamos pressão e perderíamos tudo.”
O fato de Cuba ser uma ditadura que, se abrisse as portas, provocaria uma debandada, pode explicar, mas não justifica as acusações instantâneas ao governo de que entregou os boxeadores a um regime que os punirá implacavelmente.
A história deles leva jeito de ser outra. Segundo a imprensa paulista, disseram à Polícia Federal que, tendo saído para fazer compras – um videogame – foram abordados por um certo Michel e mais um comparsa, dopados e levados a um apartamento em Copacabana, onde teriam pedido para voltar à vila do Pan. O tal de Michel é um aliciador de lutadores.
Acabaram localizados em Araruama, no litoral fluminense – depois de terem pedido a um pescador que chamasse a polícia. Ainda segundo a PF, recusaram oferta de refúgio e pediram para voltar a seu país.
“Desejo mil vezes, estou louco para voltar”, teria afirmado um deles. “Somos ‘personalidades’ em Cuba.
No Globo de hoje se lê que “a organização internacional Human Rights Watch, de defesa de direitos humanos, pediu uma investigação profunda, feita por uma comissão independente, com o apoio do Congresso e do Judiciário brasileiros, para esclarecer por que os atletas voltaram a Cuba depois de desertar da delegação de seu país durante o Pan”.
“Temos só a versão oficial da Polícia Federal”, disse um diretor da entidade.
A “investigação profunda” é obviamente bem-vinda. Se fosse possível, seria o caso de estendê-la à mídia, que – pelo sim ou pelo não – acusou Brasília de se acumpliciar com Havana num crime contra os direitos humanos.
Pela enésima vez, atirou-se primeiro para perguntar depois, como se dizia nos filmes de caubói. Aliás, nem se começou a perguntar.
O Globo, por exemplo, que relata a preocupação da respeitada Human Rights Watch, não dá hoje uma linha sobre a nota da Polícia Federal com a história resumida acima.
Mas publica um editorialete, afirmando que “diante das simpatias ideológicas em Brasília, é bom provar que não houve qualquer ajuda ao braço repressor do regime cubano. A imagem do país ficará manchada se o governo agiu em auxílio ao gulag de Fidel Castro.”
A Folha bate ainda mais forte no editorial “Direitos nocauteados”, acusando o Brasil de desrespeitar o princípio de asilo político. Pelo menos informa em alto de página: “Cubanos afirmam à polícia que foram dopados e presos”.
Agora vejam só. Pode haver órgãos brasileiros de mídia tão hostis à ditadura castrista quanto o Estado. Porém não mais do que este. Era de esperar, portanto, que o jornalão fizesse um escândalo com o caso. Sintomaticamente, talvez, o trata com discrição – e até hoje é o único dos três grandes diários a não sair com um editorial sobre o episódio.
Como se diz, nem tudo que parece é.
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