Nos anos 1950, Walter Cronkite, o ícone mundial dos âncoras de telejornais, tornou-se um personagem paternal para milhões de norte-americanos ao encarnar a figura de um grande contador de histórias do jornalismo moderno.
Com a industrialização do processo de produção de notícias nos jornais impressos e a brutal concorrência entre telejornais, a figura do contador de histórias perdeu cada vez mais espaços até ser recuperada, muito recentemente, com surgimento dos weblogs produzidos por pessoas comuns, sem formação jornalística.
A generalização dos manuais de redação e a ditadura da pirâmide invertida acabaram padronizando e pasteurizando os textos jornalísticos que se tornaram frios e impessoais, como uma bula de remédios. As notícias publicadas num jornal ou lidas pelos âncoras de telejornais passaram a ser algo muito distante do público, ao usar estilos de redação que ninguém ousa reproduzir numa conversa de bar ou em família, sob pena de ser imediatamente ridicularizado.
Você já imaginou o que seus amigos diriam se você chegasse no bar e anunciasse: “O presidente do Senado, José Sarney, disse ontem que não deve ser discutida a decisão do STF que manteve a censura sobre o jornal O Estado de S.Paulo. Anteontem a corte rejeitou o pedido do jornal de publicar informações sobre investigações da Policia Federal sobre Fernando Sarney, o filho do senador”.
No mínimo uma sucessão de gozações, motivadas pelo fato de que você ignorou a regra básica de qualquer contador de histórias: a informalidade e a descontração. Em circunstâncias absolutamente normais você diria: “Pessoal, dá para acreditar… O Sarney está agora defendendo também a censura à imprensa. Ele disse que a gente tem que aceitar sem discutir a decisão do STF de impedir o Estadão de publicar uma reportagem sobre suspeitas de corrupção do filho dele. Pode…”.
Os profissionais perderam o hábito de contar histórias, e os mais jovens nem chegaram a experimentá-lo por causa da automatização e produção em massa de notícias dentro de redações jornalísticas. Para evitar erros e diante da falta de tempo para corrigi-los, criaram-se os manuais de redação que acabaram sendo desvirtuados ao se transformarem em barreira contra a diversificação e personalização das narrativas jornalísticas.
Quando Henry Ford criou a linha de montagem na indústria automobilística o resultado foi um aumento na produção de carros e um menor índice de erros, mas o sistema se mostrou, mais tarde, inibidor da criatividade dos empregados e da personalização dos automóveis, uma exigência do consumidor. Uma das razões do sucesso da indústria automobilística japonesa está justamente na crítica da linha de montagem fordiana.
O desaparecimento do repórter contador de histórias, uma postura que nasceu junto com o jornalismo, há séculos, coincidiu também com o divórcio dos profissionais em relação ao público. Os leitores passaram a ser um incômodo para as redações, o que está na origem de um distanciamento que alimenta queixas e antagonismos.
Foram os weblogs produzidos pelos chamados jornalistas amadores que começaram a recuperar uma velha tradição de contar histórias, um formato narrativo muito mais próximo do público do que as fórmulas preconizadas nos manuais de redação. Cronkite simbolizava o personagem paternal que no início da noite contava para seu público o que havia acontecido nas ultimas 24 horas. Era o pajé eletrônico contando as novidades do dia para a aldeia televisiva reunida na taba virtual.
Não se trata de lamentar, nem de saudosismos do tipo “velhos e bons tempos”, mas de recuperar uma relação de confiança mútua entre profissional e o público que permanece na base da jornalismo. É necessário repensar e contextualizar as fórmulas e os manuais de redação para integrá-los à nova ecologia informativa criada pela internet, onde o leitor deixou de ser um consumidor passivo de notícias.