Na sexta-feira, 3, a partir de uma reportagem publicada no Boston Globe, contei a história do estudante brasileiro Juliano Foleiss, que naquela noite ía ser um dos oradores da festa de formatura do seu colégio, quando iria revelar a sua condição de imigrante clandestino. (Ver “Juliano, que não será americano”.)
A sua história não é a típica história dos brasileiros de Governador Valadares que acabam presos e deportados da América. Nem tem a ver com as desventuras dos personagens da novela da Globo. Interessa porque trata de uma situação onde o buraco é ao mesmo tempo mais em cima e mais embaixo.
Mais em cima porque tem a ver com o sucesso de quem jogou o jogo conforme as regras do credo americano, e mais embaixo porque tem a ver com a negação dessas regras, pervertendo esse mesmo credo.
Juliano, hão de se lembrar os que me leram, foi um dos melhores alunos de sua turma, gostaria de fazer faculdade no estado de Massachusetts, onde vive com os pais e um irmão mais moço. Mas a família estava de malas prontas para voltar, porque não teria como arcar com os seus estudos. E não teria porque, dada a sua situação, ele não poderia pedir para pagar a mesma anuidade cobrada dos residentes legais do estado.
Com isso, a América provavelmente perdeu e o Brasil provavelmente ganhou um craque de informática, o que ele quer ser na vida – e pelo visto tem tudo para conseguir.
Outra história do gênero apareceu hoje sob a forma de um artigo no mesmo jornal. O Boston Globe está em campanha contra a discriminação sofrida pelos candidatos a um curso universitário que não são de Massachusetts e por isso têm de pagar anuidades maiores do que os que são. A assembléia legislativa local tinha aprovado um projeto acabando com isso. O governador vetou. A assembléia discute se derruba ou não o veto.
O artigo se chama “O sonho de um imigrante” e quem o escreveu se chama Patrícia de Oliveira. A história dessa brasileira parece ainda pior do que a de Juliano, porque ela não vive clandestinamente nos Estados Unidos, para onde os pais a levaram quando tinha 6 anos.
Indisfarçada amargura
“Estou em processo de me tornar uma residente permanente”, escreveu ela para dizer que já solicitou o sonhado green card, “o que pode levar de 5 a 10 anos”. Ela chama a atenção também para o fato de que os seus pais estão autorizados a trabalhar, são registrados no Seguro Social e vêm pagando impostos federais e estaduais por mais de 14 anos”.
O ponto é esse. O lobby que levou o governador de Massachusetts a vetar a lei destinada a promover a igualdade de oportunidades de acesso ao ensino superior no estado (só na Grande Boston há cinco universidades, entre elas Harvard e MIT) argumenta que os impostos pagos pelos contribuintes de Massachusetts são o que barateia a faculdade para os seus filhos. O projeto estaria transferindo dinheiro deles para “imigrantes ilegais”.
Assim como Juliano, Patrícia acreditou no que ouvia de seus professores desde pequena: trabalhe duro que você chegará à universidade. Foi o que ela fez – e com bases na sua ficha escolar foi aceita pela maioria das faculdades a que se candidatou, escreve com indisfarçada amargura.
Mas ela teria de pagar o que não pode. “Eu não podia simplesmente entregar os pontos, desistir dos meus sonhos depois de trabalhar tanto, então fui me aconselhar com o orientador da minha escola”, relata. “Infelizmente, ele não tinha a mais remota idéia de como me ajudar.”
Durante anos”, prossegue, “tudo que ouvia dos professores e diretores do colégio era como ajudar as minorias a melhorar as suas notas, como ajudar a aumentar o número de membros de minorias a entrar na faculdade”.
E aqui estou eu, revolta-se Patrícia, na legalidade, mas sem green card. Ela e outros estudantes de Massachusetts: “Alguns de nós estão em processo de se naturalizar; alguns estão esperando o sistema nos permitir a requerer (a cidadania americana). Mas o fato é que todos nós trabalhamos pesado para tirar boas notas, passar nos exames finais e entrar na faculdade.”
Ela não escolheu ir para a América. Doze anos depois de ser levada para lá, não terá o que fez por merecer. Os americanos não iludem os miseráveis mexicanos que atravessam o Rio Grande de madrugada e se sujeitam a trabalhar como escravos por salários indignos (maiores, ainda assim, do que os de seu país de origem). Eles iludem os Julianos e as Patrícias.