Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pelo nariz, não. Mas puxar é preciso

O ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, aproveitou uma conferência sobre questões do setor, na quinta-feira, 21, para repetir o que disse uma ou mais vezes em entrevistas:


‘Não é missão da imprensa puxar a sociedade pelo nariz para lá ou para cá.’


Pelo nariz, claro que não. Pelo cangote, tampouco. Pelos cabelos, nem pensar.


Mas, com bons modos, é sua missão, sim.


Deixando as metáforas, é o seguinte: nas sociedades democráticas faz parte da razão de ser do jornalismo contribuir para a formação das idéias e mentalidades. Mediante o clássico tripé notícia, análise, opinião.


Simplificando brutalmente as coisas, notícia é ‘choveu muito ontem’, análise é ‘choveu muito por causa do El Niño’, opinião é ‘ainda bem que choveu muito, apesar dos estragos causados, porque tornou o ar mais respirável’.


Tudo depende de como se noticia, se analisa e se opina – é onde entram os metafóricos bons modos: respeito aos fatos e respeito ao público. O que não se pode, a esta altura da história, é crer que a mídia deva se restringir a informar a seco – e deixar tudo mais por conta do leitor/ouvinte/espectador.


Ao contrário do lugar-comum, os fatos não falam por si, salvo em raríssimas situações. Porque tamanha é quase sempre a complexidade dos negócios humanos que eles não têm apenas anverso e reverso. A realidade, com perdão pela obviedade, é um poliedro – que comporta mais de uma visão, mais de uma interpretação. E isso não pode ser suprimido das páginas, emissões, sites e blogues.


Nem me parece que seja outra a posição de Martins. O que ele fez, decerto, foi se manifestar contra a forçada de barra que consiste em embaralhar fatos e juízos de valor – principalmente quando os primeiros são torcidos para servir aos segundos, definidos de antemão – e em limitar o acesso aos meios das vozes que não fazem coro com a voz do dono.


É impossível subestimar a importância dessa diversidade. Não só porque não haveria corrida de cavalos se não houvesse divergências de opinião, conforme o velho ditado americano, mas principalmente porque, ao se expressar, a opinião como que revisita os próprios fatos, permitindo enxergar, se não todos, pelo menos os seus principais matizes.


Ao noticiar a fala do ministro, a Folha deu que ele ‘fez uma crítica ao que considera excesso de opinião em material jornalístico’. Tomando o texto ao pé da letra, é como se opinião não fosse material jornalístico – aliás, foi exatamente o que um leitor deste blog escreveu outro dia.


Peço licença para discordar. Um editorial, ou artigo assinado, é tão jornalístico quanto as notícias a que se refere. A questão consiste em jogar limpo com o consumidor do produto jornalístico – o que é mais fácil de falar do que fazer. De qualquer forma, todo órgão de mídia deve ter espaços claramente identificados para comentários e tomadas de posição.


Até para o público saber com quem está tratando e, a partir daí, ver se o noticiário não está viesado nessa ou naquela direção. Notadamente o jornal nosso de cada dia tem a obrigação de submeter a escrutínio público as suas opiniões sobre os temas quentes do momento.


Se não as tiver, ou se escamoteá-las, estará abdicando de uma parcela crucial de sua responsabilidade como portador de fé pública. Nesse caso, quaisquer que sejam os seus outros atributos, não merece que se perca com ele mais do que o tempo estritamente necessário. Como se faz numa lanchonete fast-food.


P.S. Apagão de informação numa questão de vida ou morte


Você se considera bem informado sobre as causas do chamado apagão aéreo?


Você sabe quem está com a razão na queda de braço entre os controladores de vôo e a Aeronáutica?


Eu não me considero e não sei.


Porque, na melhor das hipóteses, o que a mídia tem feito é dar os proverbiais ‘dois lados’. Digo na melhor das hipóteses, porque a tendência predominante no noticiário é privilegiar a versão do comando da Arma.


Essa versão, que a mídia parece aceitar pelo seu valor de face, ou com casca e tudo, tem dois pontos.


Um, como disse o brigadeiro Juiniti Saito ao receber no Cindacta-1 os membros da CPI do Apagão Aéreo, é que a segurança de vôo no Brasil é ‘excelente’: nada de errado com os equipamentos de controle do tráfego aéreo nem com o preparo e o número de controladores. Mas é bom lembrar que ele não deixou os deputados entrarem na sala de controle e conversar com os sargentos que operam o sistema.


O segundo ponto está resumido no editorial do Estado deste sábado que pede a expulsão ‘os sargentos que agem como sindicalistas e não como militares’:


‘Digam o que disserem as lideranças sindicais dos controladores de vôo, nada do que eles estão fazendo é para assegurar a segurança dos passageiros. [Eles] querem a desmilitarização do serviço – ou seja, continuar no emprego, mas não como militares, sujeitos a normas rígidas de disciplina e hierarquia – e um aumento de salário incompatível com a atual estrutura organizacional das Forças Armadas.’


Salvo engano, o mais próximo que a mídia chegou de levar a público os dados da realidade que os controladores invocam em favor de suas alegações foi a matéria do repórter Thiago Vitale Jayme, no Valor de 18 de maio, comentada no mesmo dia neste blog sob o título ‘Negativo operante’ [http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id=
{19B66647-FDB8-4C58-B4C1-0C4735E8E1D8}&id_blog=3
]


A matéria trata de um documento da FAB com 150 ‘relatórios de perigo’ registrados pelos controladores de vôo de Brasília entre setembro e novembro do ano passado. Exemplos:


No dia 22 de novembro, um controlador escreveu: ‘Fica registrado que o setor S06 da região BR do ACC-BS (de Brasília) tem se tornado muito desgastante, estressante e perigoso para o tráfego aéreo no local, devido às várias e repetidas panes de freqüências dos seus limites.’


Ainda no dia 22 de novembro de 2006, foram apontadas duplicações de pistas na tela dos monitores dos vôos Gol 7472, Gol 1844, TAM 3507 e Varig 2634 na região de São Paulo.


No mesmo dia 22 de novembro, na região do Rio de Janeiro, a duplicação de pistas também ocorreu nos vôos Gol 1845, TAM 3139 e FAB 5933.


Das 22h10 do dia 19 de outubro de 2006 à 1h do dia 20, o Centro de Controle de Área de Curitiba informou ‘pane parcial de freqüências e pane total de visualização radar na sua FIR (região)’. Neste dia, o aeroporto de Curitiba ficou parado durante 30 minutos.


Às 20h do dia 3 de outubro de 2006, o Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Santa Teresa (ES) relatou ‘eco e interferência de rádio pirata’ na freqüência 134.750 MHZ, usada para o controle aéreo.


No dia 1º de setembro de 2006, o Destacamento de Controle do Espaço Aéreo da Chapada dos Guimarães (MT) detectou ‘duplicação de pistas’ às 16h. No relatório, há indícios de que o problema era recorrente.


Às 20h do dia 3 de outubro de 2006, o Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Três Marias (MG) detectou ‘interferência de telefonia celular’ na freqüência 135.550 MHZ.


Há diversas ocorrências que apontam falta de recursos do Cindacta I. No dia 29 de setembro, há a reclamação de falta de cinco impressoras de computadores. Outras três ocorrências, dos dias 13 e 19 de outubro, dão conta de monitores com imagens distorcidas.


Tudo isso pode ser, ou não, a pura verdade. Mas, como os recintos dos Cindactas são ‘off limits’ para jornalistas, a não ser em visitas estritamente monitoradas, fica difícil saber.


Esta semana, a propósito, houve a ‘guerra dos consoles’ – defeituosos e com o prazo de validade vencido, segundo os sargentos que os operam, ou em condições satisfatórias de funcionamento, segundo a hierarquia da FAB.


A imprensa pressiona menos do que deveria as partes em conflito para que fundamentem os seus argumentos em fatos passíveis de serem checados pela parte contrária ou por técnicos independentes. Afinal, no limite, trata-se de uma questão de vida ou morte – literalmente.


[Acrescentado às 8h55 de 23/6]


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