Conforme o último post registrou, O Estado de S.Paulo publicou, no sábado passado, ‘carta’ da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, desmentindo que o documento que sustentou a manchete principal do jornal no dia anterior fosse de sua pasta ou de sua autoria. Sem ratear, o jornal publicou a ‘íntegra’ do desmentido, mas não explicou aos seus leitores porque, no dia anterior, sua manchete principal se sustentou sobre um documento que, segundo a ministra, é falso. Nessa reportagem, o tal documento comprovava a tese de a guerra entre Dilma e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, era anterior à entrevista que a ministra concedera para o mesmo jornal na semana anterior. A propósito, o Contrapauta também mostrou como as palavras-chave da entrevista – ‘rudimentar’ e ‘desqualificado’ – foram paulatinamente deturpadas nos dias posteriores.
Caberia pelo menos um aviso de correção do jornal?
Se ela diz que não escreveu o documento da manchete, de onde afinal ele teria partido?
Por que o jornal não explicou aos seus leitores nem desmentiu a ministra?
No dia seguinte, domingo, o mesmo Estado confirmou a política dos dois pesos e duas medidas ao publicar uma nota de correção sobre reportagem do dia anterior que tratou da posse do senador Tasso Jereissati (CE) na presidência do PSDB. Disse o jornal que, ao contrário do que afirmara sua reportagem, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, foi, sim, aplaudido pelos correligionários do partido na cerimônia.
Resumo da ópera: sobre a publicação de um documento de autoria negada, sobre o qual se supõe haver uma prova concreta (o próprio documento), o jornal publica o desmentido como ‘íntegra da carta da ministra’. Já a impressão da reportagem sobre a falta de entusiasmo do público na festa tucana – ainda se considerando que houve erro na avaliação auditiva do repórter – o jornal traz prontamente sua nota de correção.
Esse comportamento – não exclusivo do O Estado de S.Paulo, diga-se – enquadra-se no que o jornalista Elio Gaspari escreveu em sua coluna publicada na Folha de S.Paulo e no O Globo, domingo passado, no texto ‘Os tucanos exterminadores’.
No artigo de leitura mais do que recomendada, Elio Gaspari remete para ‘o magnífico ensaio’ do jornalista Richard Rovere, sobre a manipulação dos fatos denominada ‘a falsidade múltipla’. Reproduzindo palavras do próprio Rovere, a coluna acendeu a luz:
‘A falsidade múltipla não precisa ser uma grande falsidade, mas pode ser uma longa série de falsidades tenuemente conectadas, ou uma simples falsidade com muitas facetas. Em qualquer caso, o conjunto tem tantas partes que se torna impossível mantê-las simultaneamente na cabeça. Qualquer tentativa de demonstração da falsidade de algumas afirmações, deixa a impressão de que só aquelas afirmações são falsas e as outras são verdadeiras’.
Faz o maior sentido e se encaixa perfeitamente nos vários procedimentos adotados pela mídia nos seis últimos meses de crise política.