Quem sabe das coisas é o colunista de humor da Folha, José Simão.
Entre os seus achados sobre a alma nacional, está o de que “o Brasil é o país da piada pronta”.
E não é? Mesmo que muitas vezes as piadas sejam de chorar.
Como esta, registrada no pé de uma das três páginas que a mesma Folha dedica hoje ao referendo de amanhã:
Numa discussão entre dois frequentadores de um boteco, em Juiz de Fora, na madrugada de ontem, um deles disparou três tiros contra o outro.
Isso em si não é notícia: acontece toda hora e, ao lado das agressões armadas de maridos contra as mulheres e dos acidentes com armas de fogo – como o que dias atrás matou um garoto numa escola paulistana – tem muito a ver com os quase 40 mil mortos a bala por ano neste país de decantada “índole pacífica”, recordista mundial no quesito vítimas do gatilho.
A notícia, que merecia chamada de primeira página por ser um símbolo para ninguém pôr defeito do que está em jogo amanhã – e que se não provocasse tristeza e revolta, seria de rir – é que o assunto da briga de bar era… o referendo.
Quem atirou, e foi preso e indiciado por “tentativa de homicídio qualificado por motivo fútil”, é do NÃO. Quem foi atingido e foi parar no pronto-socorro municipal, onde passou por uma operação e continuava internado até ontem à noite, embora não corra risco de morrer, é do SIM.
Precisa dizer mais? Precisa. A provável vitória do NÃO, amanhã, é o retrato de um pedaço do Brasil que não quer abrir mão de um direito. O de matar.
Ainda sobre o referendo: papelão o do presidente Lula.
Primeiro, escreve um artigo exclusivo para a Folha em defesa do SIM. Depois, isto é, ontem, se recusa a declarar o voto, porque é “secreto”.
Infantil, o presidente também disse a um repórter que só revelaria o seu voto se o outro revelasse o dele. O jornalista, em vez de responder que o seu voto não é notícia, mas o do chefe do governo, sim – ou mesmo dizer SIM ou NÃO, só para ver como Lula se sairia – preferiu retrucar que não votaria por estar fora de seu domicílio eleitoral.
Mudando de assunto (1)
Depois dizem que o deputado José Dirceu não tem nenhuma razão quando se queixa da imprensa. Ontem, ele deu uma entrevista coletiva para apresentar a sua contestação escrita ao parecer do relator Júlio Delgado, que pediu a cassação do seu mandato no Conselho de Ética da Câmara. Os jornais, apropriadamente, haviam dado amplo espaço aos principais pontos do relatório. Um deles, o Estadão, no antepenúltimo parágrafo de uma entrevista com o ex-ministro, dá hoje 11 linhas às suas críticas ao trabalho de Delgado. A réplica de Dirceu tem 92 páginas.
Mudando de assunto (2)
A correspondente da Folha em Nova York, Leila Suwan, teve o mérito de deixar numa enrascada o diplomata brasileiro Júlio César Gomes dos Santos, ao revelar que ele usou a palavra “cucarachos” para se referir aos hispano-americanos, aconselhando os brasileiros residentes nos Estados Unidos a não se relacionar com eles. Mas nem a ela, nem a quem fechou as suas três matérias sobre o caso, ocorreu explicar que o termo não é apenas preconceituoso e derrogatório, como spics (hispanos), chinks (orientais), beans (escuros) e kikes (judeus), no jargão racista americano. É pior. Cucaracha – e o leitor brasileiro não tem obrigação de saber disso – quer dizer barata.
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