Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pimenta nos olhos dos outros

Vejam só a ironia.

O Estado de S.Paulo deu em manchete, como tinha de dar, a notícia da censura prévia que acaba de sofrer – um juiz do Distrito Federal o proibiu de publicar reportagens sobre a operação Boi Barrica da Polícia Federal que levou ao indiciamento de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado; a cada nova matéria, o jornal será multado em R$ 150 mil.

Na edição de 22 de julho, o Estado saiu com a transcrição de telefonemas interceptados pela PF com autorização judicial entre 30 de março e 2 de abril do ano passado. Neles, Fernando, a filha e, enfim, o próprio Sarney, acertam a nomeação do namorado dela para um cargo no Senado.

Na segunda tentativa junto à Justiça, Fernando Sarney conseguiu o embargo a novas matérias sobre o inquérito de que as gravações fazem parte e no qual ele foi indiciado, junto com a mulher, por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, entre outros delitos.

Mas, dos três principais diários brasileiros, o Estado foi o que registrou com menos destaque, numa nota de pé de página, na seção “Pelo Brasil” deste sábado, 1, o protesto da Associação Nacional de Jornais (ANJ) contra outra decisão judicial do gênero – a que proibiu A Tarde, de Salvador, de divulgar matérias sobre um possível esquema de venda de sentenças envolvendo um desembargador.

A ironia é sintomática. Em geral, a grande imprensa se limita a registrar burocraticamente o amordaçamento de publicações regionais e de menor porte, que a própria ANJ observa que “tem ocorrido com frequência”. Lembra a história da pimenta no olho dos outros.

O problema é rigorosamente o mesmo: em todos os casos, trata-se de decisões que contradizem as garantias constitucionais à liberdade de expressão.

Com ou sem Lei de Imprensa, um periódico não pode ser impedido de divulgar algo. Pode ser processado pelo que publicou. Simples assim.