Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Piracicaba na berlinda

IstoÉ sai com novas denúncias contra o empresário Abel Pereira, o prefeito de Piracicaba, Barjas Negri, e o candidato a governador José Serra. É a capa da edição desta semana. Denúncia de escândalo é o que não falta no país. Desde que ouviu os Vedoin filho e pai em Cuiabá, a equipe da revista está convencida de que chegou a um dossiê explosivo contra Serra.


O ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, diz em entrevista à IstoÉ que o ex-ministro da Saúde José Serra deve ter tratamento igual ao concedido ao ex-ministro da Saúde Humberto Costa. Todos são iguais perante a lei.


Na mesma edição, Mario Simas Filho, o redator chefe que foi também o autor da entrevista com os Vedoin, descreve o que aconteceu. Refere-se a Oswaldo Bargas e a Expedito Afonso Veloso, dois petistas que o receberam no saguão do hotel em que se hospedou, como ‘um certo Oswaldo ou um certo Expedito’. Foi na noite em que chegou de viagem de São Paulo. É muita falta de curiosidade não querer saber quem eram os ilustres negociadores.


É pena que nem uma pequena parte de esclarecimentos tão circunstanciados tenha sido oferecida aos leitores da edição da semana passada, que desencadeou o escândalo Tabajara do PT. Mas antes tarde do que nunca.


No dia seguinte, às 13 horas, Simas Filho foi para a entrevista. Segue sua descrição:


Pegamos um táxi e nos dirigimos para a rua Haiti, em um bairro de classe média não muito distante do hotel. Em um sobrado confortável, fomos recebidos pelo advogado Otto. Ele nos apresentou aos Vedoin e logo chegaram Oswaldo e Expedito. Antes de iniciar a entrevista, o advogado mostrou preocupação. Disse que temia que as declarações de seus clientes pudessem ser deturpadas. Sugeri que não apenas a Revista, mas que ele próprio também gravasse a entrevista.


Em seguida, pedi para ver os documentos que os empresários estavam encaminhando para a Justiça. Me colocaram, então, diante de um punhado de cheques e de extratos bancários indicando depósitos feitos pelas empresas do grupo Planam, além de uma relação de recursos liberados pelo Ministério da Saúde para a compra de ambulâncias. Luiz Antônio, mais calmo, e Darci, visivelmente tenso, explicaram o significado de cada um daqueles documentos. Essa conversa preliminar durou cerca de uma hora. Foi feita em um escritório no andar térreo do sobrado. Na área externa, outras duas pessoas que não me foram apresentadas conversavam ao lado de uma churrasqueira.’ 


Na entrevista dos Vedoin, edição da semana anterior, a palavra ‘documentos’ aparece sete vezes. Pode ser que a má fama da revista tenha obnubilado o interesse em conhecer essas supostas provas. Foi assim que Simas Filho resumiu o que examinara:


Nos documentos bancários aos quais IstoÉ teve acesso há cópias de pelo
menos 15 cheques emitidos pela Klass, uma das empresas dos Vedoin, que
teriam sido entregues ao próprio Abel. “Os cheques estão ao portador, mas
foram entregues nas mãos dele”, acusa Darci. No total, esses cheques somam R$ 601,2 mil. Um deles, o de número 850182, datado de 30 de dezembro de 2002, tem o valor de R$ 87,2 mil. No mesmo dia, há outros sete cheques, seis deles são de R$ 30 mil e recebem os números de 850183 a 850188. O cheque 850181, também de 30 de dezembro de 2002, tem o valor de R$ 45 mil. “Depois que eles perderam a eleição, o Abel me procurou e passamos a fazer muitas liberações”, diz Darci. De fato, 2002, último ano da administração tucana, foi o ano em que a Planam mais distribuiu ambulâncias pelo Brasil. Foram 317 no total. No Ministério Público, há quem suspeite que esses seguidos repasses tenham se destinado a pagar despesas da campanha presidencial de 2002. Agora, os procuradores deverão rastrear o destino desses cheques’.


Se há tais e tantos documentos,


1) Eles devem ser o ponto de partida de qualquer investigação séria, não militante, sobre o assunto;


2) Não faz sentido o presidente da República, a pessoa mais bem informada do país, ter dito que tudo não passou de insanidade de trapalhões de seu partido.


3) A mídia deveria ter reservado uma parte de sua capacidade de apuração jornalística para verificar se os documentos eram relevantes. Simas Filho relata: ‘Terminada a entrevista, voltamos para o hotel. Durante a noite, escrevi a reportagem despachada por e-mail na manhã seguinte para a redação de IstoÉ em São Paulo. Antes de fazer o último telefonema para a Revista, liguei do hotel para o procurador Mario Lúcio Avelar com o propósito de checar se os documentos apresentados pelos Vedoin de fato haviam sido entregues. Com a confirmação, liberamos a reportagem’.  


Adendo em 24/9, 22h09 horas:


O diretor editorial da IstoÉ, Carlos José Marques, faz na edição desta semana uma apaixonada defesa do trabalho da revista. Teria sido impecável. Marques escreve que há trinta anos a IstoÉ se destaca por praticar ‘jornalismo de primeira grandeza’. Infelizmente, essa avaliação não pode ser subscrita no que se refere aos últimos anos. A menos que se considere ‘jornalismo de primeira grandeza’ a publicação editorializada de pesquisas de intenção de voto para governador e senador feitas pelo instituto Databrain, como ocorreu nas edições desta semana e da semana passada (*). Ou a reportagem de capa da edição de 8 de março: ‘Gripe mortal e planetária – Pandemia que ameaça matar 50 milhões de pessoas deve se espalhar em 18 meses. No Brasil, vírus chega em setembro’ (ainda há seis dias para a previsão se cumprir). Ou a edição com data de 21 de dezembro de 2005: ‘Fator Quércia – Nem PT nem PSDB. Ex-governador sai na frente na disputa por São Paulo’. Ou a reportagem de capa da edição datada de 24 de agosto de 2005: ‘Ligações perigosas – Relações promíscuas entre celebridades e traficantes revelam a chocante conivência com o poder paralelo’, com informações de um delegado de Polícia do Rio de Janeiro que não se confirmaram. Ou… ou… etc.


Isso dito, ‘uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa’, para citar José Genoíno.


Uma coisa é questionar o padrão jornalístico da IstoÉ. Coisa correlata são as conexões políticas, ou político-financeiras da revista, as verbas da Petrobrás, etc.


Outra coisa é não haver na reportagem de Mário Simas Filho nada que mereça atenção. De fato, como escreveu Marques, ‘[….]o caso Serra foi poupado de apuração [sic: se é ‘o caso Serra’, já teria havido apuração], abafado pelos eventos paralelos que redundaram no dossiê forjado’. Mas quem mandou a IstoÉ aceitar a participação, em sua apuração jornalística, de ‘um certo Oswaldo e um certo Expedito’? A edição desta semana dedica, descontado o texto de Carlos José Marques, 14 páginas a fazer carga contra Serra. Não há nada de minimimamente parecido com isso em nenhum outro veículo. O ombudsman da Folha, Marcelo Beraba, corretamente pede apuração. Diz que a Folha publicou uma reportagem no sábado passado, 16 de setembro, mas depois interrompeu a apuração (ela foi retomada na edição de ontem, sábado, dia 23, e prossegue hoje, domingo). A Época dedica duas colunas ao tema: ‘O conteúdo do dossiê – Não há nada contra Serra. Mas a ligação de tucanos com os Vedoins deve ser investigada’. Veja só toca no assunto para dizer e reiterar que Luiz Antônio Vedoin retirou qualquer acusação contra José Serra. A Carta Capital, revista assumidamente alinhada com o governo Lula e com a campanha por sua reeleição, só toca no assunto de passagem, e de uma maneira que explica por que as acusações contra José Serra e Barjas Negri não tiveram maior repercussão: ‘Embora os documentos anexados ao dossiê exijam explicações dos tucanos, como argumentam vários governistas, as negociações entre petistas e a família Vedoin jogam por terra a credibilidade do material‘.


(*) Dois exemplos desta semana. Pernambuco: ‘Mendonça X Costa? – Petista começa a ver o segundo turno mais próximo’ (o instituto e a revista ignoraram o avanço de Eduardo Campos, do PSB). Tocantins: ‘Cada vez mais líder – Marcelo Miranda abre distância de Siqueira Campos’ (‘Cada vez mais líder’: isso é jornalismo ou propaganda partidária?).