George Orwell, o autor de “1984”, diria que o Grande Irmão que está de olho em você tem agora na internet uma infinidade de Pequenos Irmãos que o imitam.
Eles usam a web para vigiar e punir – à revelia das leis e agindo como se lhes tivesse sido concedido um poder de repressão paralelo ao do Estado.
O seu alvo não são as condutas que o todo-poderoso ditador do romance consideraria indesejáveis para o regime. Mas os comportamentos individuais que pareçam socialmente condenáveis a essa nova modalidade de vigilantes dos costumes. Às vezes os atos são mesmo condenáveis, mas isso não muda a gravidade do problema do uso da web para fazer justiça pelas próprias mãos.
A julgar por uma reportagem de Jennifer Saranow, do Wall Street Journal, que aparece hoje na página do diário americano que o Estado de S.Paulo reproduz, a internet está virando um vasto quartel de patrulheiros da vida alheia, ainda quando os patrulhados não são celebridades nem agentes públicos sustentados pela população.
Eis os principais trechos da reportagem [que, decerto por força de contrato entre o Estadão e o WSJ, não entra na edição online do jornal brasileiro]:
“Antigamente, um olhar raivoso era o pior que você podia esperar por um pequeno deslize em público. Agora […] as gafes mais triviais de pessoas comuns também entraram na mira. Nos Estados Unidos proliferam os novos sites dedicados a condenar as ofensas mais mundanas, de estacionar mal a lançar um olhar malicioso, jogar lixo na rua ou ser rude. […]
O que está ajudando a alimentar isso é uma nova geração de empreendedores com a esperança de vender publicidade e assinaturas. Um site dedicado a maus motoristas oferece um serviço mensal por US$ 5 para as pessoas registrarem a placa de seus carros e receberem avisos se forem citados por outros motoristas. […]
Para as pessoas denunciadas os sites podem representar uma forma perturbadora de justiça das ruas, sem processo legal. Christopher Roth que o diga. “Esse cara precisa ter a carteira revogada”, escreveu um usuário num site sobre maus motoristas, acusando-o de dar fechadas. […]
Roth descobriu as críticas […] no PlateWire, um dos muitos sites dedicados aos maus motoristas. Lá, um usuário havia colocado a placa do carro de Roth e reclamado do seu estilo irresponsável de dirigir. Visitantes posteriores descobriram e divulgaram seu nome completo, número de celular e link para a sua página no MySpace. […]
“Não há nenhuma responsabilidade. Você simplesmente pode entrar na internet e escrever o que quiser, verdade ou não”, diz Roth.” […]
Pode ser inequivocamente para o bem. Uma ONG de Los Angeles que vigia a conduta da policia “encoraja os usuários”, diz a matéria, “a mandar relatos e fotos sobre pessoas que foram agredidas ou assediadas por policiais, para divulgação na internet”.
Pode ser inequivocamente para o mal. Segundo o WSJ, “o governador do Texas planeja lançar um site que vai transmitir imagens ao vivo da fronteira, na esperança de que as pessoas assistam e denunciem imigrantes ilegais. Num teste em novembro, o site recebeu mais de 14 mil e-mails.”
***
Os comentários serão selecionados para publicação. Serão desconsideradas as mensagens ofensivas, anônimas, que contenham termos de baixo calão, incitem à violência e aquelas cujos autores não possam ser contatados por terem fornecido e-mails falsos.