A inspetora da Polícia Civil do Rio de Janeiro Marina Magessi, fonte obrigatória de muitos repórteres cariocas, faz hoje (1/11) no Jornal do Brasil uma declaração de falência em causa própria. Sob o título “O Rio loteado pelo tráfico”, a reportagem discorre sobre a geografia das facções do “crime organizado” (o Globo decidiu não citar essas organizações, para não lhes dar trela). E vem a palavra tranqüilizadora da policial:
“Apesar de a maioria das comunidades [da Zona Sul] ser controlada por traficantes rivais, a inspetora da Polícia Civil Marina Magessi afirma que os traficantes do Comando Vermelho não vão invadir a Rocinha. Ela descarta o risco de bondes [sic] armados cruzando o Túnel Zuzu Angel, em São Conrado, e a Avenida Niemayer, que passa pelo Morro do Vidigal, para tomar a Rocinha.
– As favelas da Zona Sul controladas pelo Comando Vermelho não têm poder bélico para invadir a Rocinha – enfatiza Marina”.
Que bom! Que alívio! Gostaríamos de nos regozijar com a capacidade policial de controlar a criminalidade, mas ninguém é perfeito. Devido a uma insuficiência “bélica” dos bandidos, a Rocinha não deve temer uma invasão.
E a declaração é publicada reverentemente, como se não fosse uma aberração.
Polícia delirante
Mas… leitor, se você não liga para os meios, está preocupado só com resultados, e já respirava aliviado, calma. Na fantaria jornalística não há motivo para júbilo, e sim para terror. Se os bandidos do Vidigal, ou outras localidades que ameaçam a Rocinha, carecem de poder bélico, o arsenal dos bandidos pode ser assombroso. Sob outro título (outra “retranca”, no jargão jornalístico), o JB publica da maneira mais irresponsável um dado absurdo. Após afirmar que três facções criminosas “são apontadas como principais distribuidoras de drogas na cidade”, escreve: “Cerca de 200 mil armamentos, entre fuzis, granadas e pistolas, estariam em poder dos traficantes, de acordo com a Polícia Federal, conforme o JB noticiou”.
O delegado da Polícia Federal Antonio Rayol afirma: isso não existe. Lembra que, para formar uma milícia bolivariana, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, comprou 100 mil fuzis AK-47.
Rayol pergunta como se pode quantificar algo que é clandestino. E como os jornalistas publicam sem questionar esse tipo de informação.
A Polícia Militar inteira do Estado do Rio tem 38,5 mil homens na ativa. Seu arsenal está muito longe de “200 mil armamentos”. Qualquer equação com os “200 mil armamentos” não fecha. Se fossem 5 mil fuzis (quantidade monumental) e 50 mil pistolas (idem), os bandidos deveriam ter 145 mil granadas – armamento controlado, mais difícil de obter – para chegar a 200 mil.
Polícia delatora
O delegado Rayol tem um blog, Vox Libre. Faz nele uma crítica cerrada à falta de inteligência que consistiu em revelar publicamente como a polícia fez a operação que resultou na morte do traficante Bem-Te-Vi da Rocinha:
“Que a polícia agiu com inteligência ninguém discute, o problema é que a inteligência parece ter acabado quando o Secretário de Segurança carioca [fluminense; trata-se de Marcelo Itagiba] resolveu contar com riqueza de detalhes como é que se faz uma operação Cavalo de Tróia e o jornal O Globo publicou até um infográfico.
De agora em diante, esse tipo de operação policial se tornou de grande risco.
Traficantes mais atentos poderão detectar uma dessas operações em andamento e transformar um Cavalo de Tróia em uma ratoeira para policiais, que serão inapelavelmente chacinados!
Mas afinal de contas o Secretário de Segurança não precisa se preocupar com isso, pois ele não vai participar de nenhum Cavalo de Tróia, ele vai continuar em seu gabinete refrigerado cuidando de sua campanha política para deputado federal em 2006”.
Antonio Rayol propõe uma mudança de legislação que crie quarentena de quatro anos antes que diretores da Polícia Federal, entre outros servidores públicos, possam se candidatar a cargos eletivos.
A íntegra está em http://www.voxlibre.blogspot.com/ (procurar título “BEMTEVI morreu”).