Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Política, noticiário político, crítica política e crítica de mídia: inseparáveis

Hoje é um daqueles dias em que o difícil para um comentarista da mídia e da política não é achar assunto – é escolher os assuntos que dão mais leite e escolher por onde começar. Antes assim.

1. A ingerência do presidente na CPI [para dar sequência à nota de ontem “O que ele diz e o que ele faz”]

Pareceu certo, como costuma dar, quando se destampa a caneta que assina a liberação de verbas parlamentares, nomeações para cargos de confiança e o que mais servir para sensibilizar a consciência cívica dos políticos.

Por una cabeza, como diz o tango, o governo imaginou que tinha conseguido impedir a prorrogação da CPI dos Correios até 11 de abril do ano reeleitoral de 2006. Sessenta e quatro signatários do requerimento tiraram o time. Aliás, pode-se apostar sem susto que muitos deles só haviam assinado o pedido para depois desassinar. Isso se chama, como todo mundo sabe, criar dificuldades para vender facilidades. A oposição arrumou novas firmas. Ficou faltando uma. Na recontagem, no fim da manhã de hoje, verificou-se não ficou faltando nada.

Antes dessa reviravolta, a operação-apaga tinha feito uma vítima na mídia: o (bom) jornal Valor Econômico – que fecha mais cedo do que a concorrência. Por isso, sem condições operacionais de esperar para ver se a carruagem iria ou não virar abóbora na meia-noite fatal, cometeu a temeridade de abrir a seção política com a manchetona “CPI deve ser prorrogada até abril de 2006”, abaixo do antetítulo “Apesar de manobra para ganhar tempo, governo fracassa na tentativa de retirar assinaturas de requerimento”. Atirou no que viu, acertou no que não viu.

Saudade do tempo em que os editores eram mais prudentes e começavam textos sobre assuntos que ainda iriam rolar depois que as impressoras começassem a rodar com a seguinte advertência: “No momento em que encerrávamos os trabalhos da presente edição…”.

Transparência: na versão original, de hoje cedo, este texto registrava a vitória do governo. A versão que você está lendo é do meio-dia e meia. Os governistas estão recontando o que já foi recontado. Mas o essencial já não muda: o que chamei ontem de descaramento do presidente.

2. ‘Monitorando mais o Lula…’

Antes de mudar de assunto, quero responder ao leitor Jorge Oliveira. “Parece que este observatório está fugindo um pouco de suas origens”, escreveu ele. “Você ultimamente vem monitorando mais o Lula, esquecendo um pouco dos desmandos da imprensa…”

A questão legítima embutida na sua observação é a seguinte: como fazer crítica de jornalismo político – que não é a única praia deste blog, mas a mais frequentada pelo blogueiro – sem fazer ao mesmo tempo crítica política e dos políticos?

Concretamente: o principal evento de mídia da semana foi a entrevista do presidente Lula ao Roda Viva [ver comentário abaixo]. Nessa entrevista, ele disse que não existe “nenhuma ingerência do governo para criar qualquer problema para a CPI”.

Um dos entrevistadores, Augusto Nunes, replicou com o exemplo das tentativas do governo de impedir a instalação da CPI dos Correios.

Citou até o famoso episódio da ida dos então ministros José Dirceu e Aldo Rebelo ao apartamento do ainda deputado Roberto Jefferson. “Eles só faltaram se ajoelhar para que eu retirasse minha assinatura do requerimento [para a criação da CPI]”, contaria depois o denunciador do mensalão.

Lula retrucou que não mandou fazer nada daquilo e, de mais a mais, estava fora do país [na Coréia do Sul] – e o Roda Viva continuou a girar.

Ora, como não ligar o nome à p’ssoa, como se diz na terrinha, ao registrar que, apenas dois dias depois, o mesmo Lula chamava a palácio o presidente do Senado para ajudá-lo a abortar o pedido de prosseguimento da CPI por mais cinco meses?

Outro exemplo da quase impossibilidade de separar política, jornalismo político e análise de uma coisa e outra está na Folha de hoje.

Do repórter Kennedy Alencar sobre a reunião de Lula com os ministros Antonio Palocci e Dilma Roussef, provocada pela entrevista dela ao Estadão em que chamou de “rudimentar” a idéia do time de Palocci de um ajuste fiscal de longo prazo:

“Segundo um membro da cúpula do governo, o presidente acha que Palocci é mais hábil do que Dilma e faz chegar à imprensa versões desfavoráveis à ministra da Casa Civil. Lula queria deixar claro para ela que não aprovava os seus ataques a Palocci, mas também sabia que o ministro da Fazenda se defendia dos adversários no governo pela imprensa.”

3. “A crise dentro da crise”[título perfeito do editorial de hoje da Folha]

Da leitura dos jornais do dia não emerge um quadro coerente das motivações dos personagens centrais do espetáculo em cartaz em Brasília.

Aparentemente – e ponha-se aparentemente nisso – Dilma, a sucessora de Dirceu na Casa Civil, resolveu aproveitar as denúncias que mordem os calcanhares de Palocci para soltar os cachorros em cima da política econômica, porque ela, por definição e convicção, é a ministra da gastança.

Aparentemente, Lula ficou pê da vida com esse novo surto de fogo amigo contra o ministro cuja política ele não se cansa de dizer que vai manter e que fez espalhar que, se fosse convocado a depor na CPI, pegaria o boné.

Aparentemente, Dilma se desculpou, dizendo que se expressara mal na entrevista-bomba ao Estadão. Quando ela falou em “rudimentar” a idéia do ajuste de longo prazo, teria querido dizer “inicipiente”.

Mas…

a) as críticas de Dilma – que ela repetiu anteontem à noite num jantar com pemedebistas, embora depois tentasse desmentir o que eles vazaram – não seriam de todo inconvenientes ao presidente Lula, que já começou a gastar por conta da reeleição, embora se fazendo passar por mão-de-vaca, e que tem no grosso da tropa do PT e no PMDB de quem quer o vice para a chapa de 2006 alguns dos mais ferrenhos adversários do malanismo de Palocci;

b) as motivações do ministro podem não ser o que parecem: ao se dar conta que se fecha o cerco contra ele nas CPIs e na mídia, se não pelos supostos dólares de Cuba, pelo que teria rolado na prefeitura de Ribeirão Preto sob a sua gestão e pelo milhão que a batota (bingo, bicho e tudo mais) tinha dado ao caixa 2 de Lula em 2002, passando por ele, Palocci teria nas críticas de Dilma um belo pretexto para se demitir por um motivo grandioso – divergências sobre diretrizes econômicas do goveerno – e não porque estaria com o rabo preso onde não deveria;

c) quando a economia começa a dar uma esfriada e o fogo inimigo começa pela primeira vez a acertar o ministro da Fazenda, pode ser que Lula também comece a se perguntar se a presença de Palocci no governo é, com perdão do latinório, um plus ou um minus, seja para a integridade do seu mandato, seja para suas chances de obter um segundo;

d) a eleição de 2006 decerto também está nos cálculos de conveniência de Dilma: com Dirceu cassado e Palocci rifado, presumivelmente, ela poderá ser o que cada um deles queria para si em 2010 (supondo a reeleição de Lula) – o lugar dele no Planalto.

e) e eis que José Dirceu, logo quem, sai em vigorosa defesa de Palocci no Valor de hoje, com excelentes argumentos que não diminuem a perplexidade diante do fato de ser ele a enunciá-los:

“O Lula não abre mão do Palocci. Ele vai botar para quebrar se mexerem com o Palocci. É a única hipótese de o Lula radicalizar. Não vejo nenhuma hipótese de o Palocci sair do governo. Acho que isso não está em discussão. Nem pela cabeça do ministro passa uma coisa dessas porque ele sabe a importância que tem para o governo e o país. Uma coisa são as divergências que nós temos, outra é a qualidade da gestão do Palocci como ministro da Fazenda. Talvez, o Brasil tenha tido poucos ministros da Fazenda com a qualidade do Palocci. Porque o ministro da Fazenda também é serenidade, capacidade de articulação, credibilidade, visibilidade, é ter trânsito internacional e principalmente ter a confiança do presidente da República e da economia. O ministro Palocci tem. Acho que seria um desastre para o Brasil, primeiro, depois para o governo, se o ministro Palocci saísse. Não vejo alguém que possa pensar nisso.”

4. Os dólares de Cuba

O desastroso [para ele, Palocci e o presidente] depoimento de Vladimir Poleto à CPI dos Bingos dá gás à suspeita de que, entre a hipótese da denúncia da Veja ser inteiramente verdadeira e a de que seja inteiramente falsa, pode haver uma terceira via.

Algo, muito provavelmente envolvendo dinheiro, deve explicar aquele estranho vôo do Sêneca que saiu de Brasília com destino a Congonhas, fez escala em Viracopos e terminou, ali pertinho, no campo de pouso de Amarais, em 31 de julho de 2002, transportando, além de Poleto, três caixas que conteriam scotch e rum.

Tenho testemunhas de que, assim que pareceu assentar a poeira da matéria da Veja, me ocorreu a teoria do nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Não a coloquei em letra de forma por não saber, como continuo não sabendo, o que poderia estar entre uma coisa e outra.

Mas, como informa hoje o Estadão, o senador e antigo tira Romeu Tuma disse ter ouvido falar que as caixas tinham dólares, sim, embora não fossem doados por Fidel. Seriam dólares que o PT já possuía, deu um jeito de depositar em Cuba, e estava trazendo de volta – internando-os, como se diz no mercado financeiro.

Segundo Tuma, uma emissora de TV e um político estão atrás da história, tentando checar os vôos, presumivelmente não os de carreira, que teriam decolado do Brasil para Havana antes da campanha de 2002.

Mais uma vez é o caso de dizer: a ver lo que pasa.

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