O excelente repórter Raymundo Costa embocou mais uma.
Publica hoje no Valor a mais bem informada matéria que já saiu na grande imprensa sobre a guerra entre o presidente do PT Tarso Genro e o deputado José Dirceu, vista da trincheira deste último.
É público e notório que o ex-ministro da Educação quer tirar o ex-ministro da Casa Civil da chapa do Campo Majoritário às eleições petistas marcadas, em princípio, para setembro.
É público e notório também que o segundo, como proclama aos quatro ventos, não tem a menor intenção de renunciar à sua vaga, assim como não renunciou ao seu mandato parlamentar, mesmo ao risco de perder os direitos políticos por oito anos.
O que não é público, muito menos notório, é o que Dirceu diz e faz na condição de ‘guerreiro’, como gosta de se definir.
E aí é que entra a reportagem sobre os bastidores da movimentação do antigo capitão do time de Lula.
Por sua qualidade, oportunidade e pelo fato de a edição on-line do Valor ser acessível apenas aos assinantes, acho que vale a pena transcrever o texto intitulado ‘Dirceu só reconhece o erro da omissão’. Lá vai, então.
‘O telefone do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) tocou por volta das 16h de ontem. Do outro lado da linha estava o deputado José Dirceu (PT-SP). O ex-chefe da Casa Civil acabara de assistir, na televisão, o líder do PFL no Senado, José Agripino (RN), comentar na tribuna uma declaração que fizera a uma agência de notícias, dando a entender que ele – Dirceu – cobrava que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nominasse os ‘traidores’ a que se referiu no discurso em que pediu desculpas à Nação, semana passada. Dirceu explicou que na realidade fora questionado pela agência e respondera que não cabia a ele, mas ao presidente responder. Se Mercadante julgasse necessário, poderia esclarecer o Senado.
Tem sido assim a rotina do ex-ministro. Nada lhe escapa. E é com a mesma disposição observada no breve telefonema a Mercadante que o ex-ministro decidiu que vai lutar pela manutenção de seu nome na chapa do campo majoritário ao Diretório Nacional do PT, em eleição marcada para 18 de setembro. Em reunião na quarta-feira passada, Tarso Genro pedira que ele retirasse seu nome da chapa. Em seguida, revelou publicamente o teor da conversa. ‘O que o Tarso está fazendo comigo é inominável’, disse Dirceu a pessoas com as quais conversou nos últimos dias.
O ex-ministro, segundo esses interlocutores, tem dito que as acusações contra ele são políticas e que está sendo julgado ‘por um tribunal de exceção’. Do mesmo modo que não renunciou ao mandato de deputado federal, por entender que isso seria uma confissão de culpa, Dirceu afirma que não renunciará à vaga no diretório. Ao pedir sua renúncia, Tarso na realidade estaria fazendo um pré-julgamento. Na lógica de Dirceu, se tiver o mandato cassado, automaticamente perderá os direitos políticos e terá de se desfiliar do PT.
A cassação é a hipótese que tem no horizonte, mas não cansa de dizer que é um guerreiro e que vai lutar até o fim por seu mandato. Avalia que a representação apresentada contra ele no Conselho de Ética pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) não se sustenta juridicamente, ‘não vai provar nada’, mas tem consciência de que será submetido ‘a um julgamento político’. Seja qual for o resultado, ‘cassado ou não, vou parar para pensar’, tem dito.
Nessas conversas, Dirceu argumenta que o problema de Tarso Genro não é ele. O problema, do ponto de vista do ex-ministro da Casa Civil, é que Tarso ‘está se descolando do governo Lula e não tem maioria para isso’ – descolamento que se caracterizaria pelas críticas progressivas de Tarso Genro à política econômica. Concorda que o campo majoritário do partido deva sofrer mudanças, mas não nos termos da aliança que Tarso costura à esquerda. ‘O PT precisa tirar lições dessa crise, não ser refundado’.
Na escala do ex-ministro, o PT tem de mostrar que a oposição não tem autoridade para cobrar do partido o uso de caixa 2 nas campanhas – ‘todos os partidos fazem isso. Se investigar o Azeredo (Eduardo, ex-governador de Minas) vai aparecer -, denunciar a campanha para desestabilizar o governo Lula, avançar na reforma política e por fim adotar as medidas disciplinares adequadas a cada caso. Para Dirceu, a crise é ‘mais grave e mais profunda’ que a suposta disputa entre ele e Tarso.
Nessas conversas, pergunta qual foi afinal o projeto apresentado por Tarso Genro, para em seguida criticar a reunião do ex-ministro da Educação com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, na qual ambos decidiram propor que Lula reunisse o Conselho da República e pedir desculpas à sociedade. ‘O presidente da ordem quer tirar o Lula’!, diz, segundo os interlocutores, demonstrando perplexidade. Dirceu não tem falado com Lula. Passa a semana em Brasília, lê, assiste televisão, acompanha a crise por meio de resumos feitos pela assessoria e conversa. Muito. Os fins de semana, tenta dedicar à mulher e às filhas.
O deputado tem convicção de que sairá vitorioso da consulta que começou a fazer ontem, aos demais integrantes do campo majoritário, sobre sua saída da chapa. Admite que Tarso pode ter sucesso nas articulações com alguns prefeitos, como Marcelo Déda, de Aracaju, e governadores, como Jorge Viana, do Acre. Observa o comportamento pendular de Mercadante, mas avalia que o senador paulista pensa no melhor para o partido. Na composição de uma nova maioria, acredita que Tarso pode atrair duas outras tendências do PT: a Democracia Socialista (DS) e a Articulação de Esquerda.
Sobre a crise, o ex-ministro acredita que ‘a direita conseguiu o pretexto para desestabilizar o Lula ou fazer o impeachment’. Algo que tentava fazer desde o caso Waldomiro Diniz, ‘que nunca foi meu braço direito’. Mas até agora, diz aos interlocutores, ‘corrupção no governo, não provaram; não há deputados do PT acusados de corrupção’. Na realidade, argumenta, ‘nem caixa 2 é. São empréstimos. Houve erros gravíssimos, crimes eleitorais e fiscais. Mas isso vai levar ao impeachment de Lula’? Diz que ele e o PT sabiam dos showmícios, de Duda Mendonça e que Delúbio estava autorizado a contrair empréstimos. Mas nada sabia sobre a operação com o empresário Marcos Valério de Souza. Por isso, no máximo, poderia ser responsabilizado politicamente por omissão.’
P.S.
O projeto de reforma eleitoral aprovado ontem no Senado contém um atentado ao eleitor. Mais sobre isso, nas próximas horas.