O poeta Fernando Pessoa ironizava o suicida hesitante no poema que começa perguntando: “Se te queres matar / por que não te queres matar?”. Versos à frente, no mesmo tom, diz que “serás lembrado / aniversariamente / no dia em que nascente / e no dia em que morreste.”
A imprensa lembra de muitos assuntos aniversariamente. O que pode ser bom – afinal é para isso que existem os aniversários e se criam as datas de uma infinidade de coisas –, dependendo de como ela trata aqueles assuntos nos outros 364 dias do ano.
O mais recente marco do gênero foi o Dia Mundial do Meio Ambiente, na sexta-feira, 5, instituído pela ONU em 1972. Serviu para a Folha de S.Paulo produzir um excelente caderno especial sobre o tema, no Brasil. No seu melhor, focalizou o xis da questão ambiental no país, que o próprio jornal e os concorrentes abordam apenas fragmentariamente a maior parte do tempo, ao sabor dos fatos do dia-a-dia.
Trata-se da “tensão constante”, como se lê no título da principal matéria, que o assunto provoca no governo Lula, no qual os ambientalistas são uma ilha cercada de todos os lados por uma poderosa falange de interesses e doutrinas que convergem para um ponto: nas decisões dos poderes públicos, a economia deve ter prioridade sobre o ambiente.
A arena em que o economicismo leva ampla vantagem é, evidentemente, a Amazônia.
E essa vantagem muito pouco, ou nada, tem a ver com o estilo que a mídia costuma chamar “performático” do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Porque nos cinco anos e meio em que foi titular da Pasta, até 2008, a senadora Marina Silva – cujo comportamento é oposto ao do seu sucessor – praticamente só fez colecionar derrotas. Até que ela anunciou que perderia o cargo, “mas não o juízo”, e pediu as contas.
A hegemonia, no governo Lula, daquilo que pelo menos um jornal chamou “coalizão da motosserra”, não tem sido suficientemente explicada pela imprensa. De vez em quando, matérias e textos de análise chamam a atenção para a importância da bancada ruralista e os negócios miliardários que ela representa (quando não os seus próprios membros encarnam) na base parlamentar do Planalto.
Mas isso dá a falsa impressão de que, não dependesse ele do seu apoio, o presidente respaldaria pelo menos uma vez ou outra o Meio Ambiente, quem quer que fosse o seu ministro, contra o partido do agronegócio, cujo principal porta-voz, mas não o único, no Executivo. é o titular da Agricultura, Reinhold Stephanes.
No entanto, mais decisivas do que a armação política para a supremacia da turma da pesada – e menos trabalhadas do que merecem pela grande imprensa – são as convicções pessoais do presidente sobre as posições em confronto.
Essas convicções têm tudo a ver com a sua biografia. Lula começou a superar as imensas adversidades de sua origem social e a descobrir o mundo como torneiro-mecânico no ABC, matriz da vanguarda do desenvolvimento industrial brasileiro.
O país festejava o milagre econômico do regime militar, quando o ministro do Interior, Costa Cavalcanti, chefe da delegação brasileira à primeira conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente, em Estocolmo – onde, aliás, foi criado o respectivo Dia Mundial – fez história ao declarar “bem-vinda” a poluição.
Não se sabe ao certo o que o metalúrgico Luiz Inácio da Silva pudesse pensar a respeito, à época. Mas, se ele tivesse de escolher entre carteira assinada e ar puro, não pensaria duas vezes.
De mais a mais, assim como não levava a sério “os barbudinhos da USP” quando se pôs a transitar do sindicalismo para a política, no percurso que desembocaria na fundação do PT, tampouco tinha lá muito respeito pelos verdes.
Lula – o que só um texto de jornal lembrou outro dia – é um “desenvolvimentista à moda antiga”, do tempo em que só uns poucos no Brasil falavam em desenvolvimento sustentável e eram ignorados pela imensa maioria.
Entre a construção de uma hidrelétrica, ou a abertura de uma estrada, ou a expansão da fronteira agrícola nacional – especialmente para a produção de biocombustível – ou ainda o aumento do nível de emprego na Amazônia, de um lado, e a sujeição de qualquer dessas coisas a critérios de proteção ambiental, de outro, o presidente não hesita.
O que de mais revelador ele disse sobre as restrições ambientais – como bem lembrou o caderno especial da Folha – foi a comparação com o surgimento da nova capital. “Se o Juscelino Kubitschek fosse construir Brasília hoje”, afirmou Lula há questão de dois meses, “não teria nem licença ambiental para construir a pista para ele descer com seu aviãozinho.”
A imprensa não precisa atacar ou defender o presidente por isso. Basta que remeta o leitor à nascente das suas opiniões sobre o que ele considera progresso e os ambientalistas, retrocesso.
Mídia e Petrobras se estranham
Se a Petrobras tem o direito de publicar no seu blog respostas a perguntas de órgãos de imprensa sobre seja lá que assunto for, antes de saírem no veículo que as fez, a mídia poderia dar o troco, divulgando a posição da empresa sobre os assuntos em relação aos quais pediu que ela se manifestasse apenas depois de publicadas as respectivas matérias. Seria o que se chama jogo jogado – e o “outro lado” que espere.
Um jornal, por hipótese, recebe uma denúncia exclusiva segundo a qual a Petrobras cometeu o que seria uma grave irregularidade. Normalmente, o que acontece? O jornal trata de investigar a história e nesse processo, ainda por hipótese, levanta uma série de fatos (ou suspeitas) que parecem corroborar a acusação inicial. O passo seguinte do periódico, antes de dar o furo, é confrontar a empresa, sob a forma de perguntas, com as evidências ou os indícios coletados.
No momento em que a Petrobras divulga antecipadamente as respostas na internet – o que implica também em divulgar as perguntas, da forma como lhe chegaram, ou parafraseadas, tanto faz – a exclusividade potencial da matéria vai para o espaço. E a concorrência, que em outras circunstâncias teria de correr atrás do prejuízo, se apropria de uma história da qual não tinha a menor idéia e para a qual, por isso mesmo, não deu a menor contribuição.
Sendo a obtenção da notícia exclusiva a maior ambição do jornalismo, fica claro por que a imprensa ataca a iniciativa da Petrobras, como se viu no Roda Viva da TV Cultura com o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, na segunda-feira, 8.
A empresa, vai sem dizer, é dona das respostas que escolhe dar sobre os temas garimpados pela mídia. Mas, vai sem dizer também, não é dona das perguntas que lhe foram dirigidas. E aquelas não existem sem essas.
Ainda o voo 447
A sequência de infográficos detalhistas publicados na imprensa brasileira sobre cada aspecto da tragédia com o Airbus da Air France – dos problemas que pode ter encontrado na rota, ao resgate das vítimas e equipamentos, passando, em especial, pelas tecnicalidades dos “pitots” que medem a velocidade do avião – tornou os jornais estranhamente parecidos com a antiga revista Mecânica Popular. Os seus colecionadores certamente devem ter ficado com saudade.