A editora de Mundo da Folha de S. Paulo, Claudia Antunes, voltou de um ano de estudos nos Estados Unidos com a sensação de que os jornalistas, lá, trabalham menos do que os brasileiros. “Eles trabalham muito, claro, mas não como nós”, afirma.
Claudia diz que a crise da imprensa americana é um assunto intensamente debatido, porque os jornais perderam muita circulação, embora a indústria ainda seja lucrativa. “Mas, como existe uma projeção pessimista quanto ao futuro do jornal de papel, a cotação em bolsa é afetada” e a situação financeira das empresas se torna mais precária. Ainda assim, os grandes jornais nacionais – The New York Times, Washington Post, Wall Street Journal – e alguns regionais, entre os quais cita o The Seattle Times, menos conhecido no Brasil, têm redações muito maiores do que as brasileiras. “É raro encontrar jornalista que faça três pautas diárias, rotina nos jornais brasileiros”, afirma.
A degola dos correspondentes
Os jornais americanos com freqüência põem fora do dia-a-dia um repórter que passará um, dois meses apurando uma reportagem. “No Brasil isso ainda acontece, mas é cada vez mais raro”.
Claudia Antunes diz que gosta do trabalho na Internacional. Isso fez com que ela aceitasse convite do jornal para, após um ano em Harvard, assumir a editoria de Mundo (ver, abaixo, ‘Aprendizado de sucursal’).
– E eu já conhecia a maioria das pessoas. A equipe de Mundo da Folha é acima da média, comparada com as de outros jornais, porque tem muitos repórteres, que trabalham como redatores mas também viajam para fazer coberturas especiais – orgulha-se.
O trabalho ficou muito mais fácil com a internet:
– Ela abriu campos novos e tornou menos passivos os redatores de Internacional, menos dependentes do material enviado pelas agências de notícias. O padrão melhorou muito. O lado ruim é que todos os jornais cortaram investimentos em Internacional.
Cita o caso do Jornal do Brasil. No tempo em que trabalhava lá, o jornal tinha correspondentes em Moscou, Tóquio, Roma, Londres, Paris, Madri, Bonn, Buenos Aires, Washington, Nova York e até Bogotá. Hoje, nenhum jornal brasileiro tem isso.
Repórteres de agências são “heróicos”
Claudia não concorda com a crítica de Nahum Sirotsky, legendário jornalista que é correspondente do IG, a respeito da discutível qualidade dos correspondentes de agências (ver “Faltam correspondentes”).
– Os repórteres das agências são heróicos – diz a editora de Mundo da Folha. – Mas não são analíticos. É preciso levar em conta que competem com o online.
O que não se pode, diz a jornalista, é “ficar apenas com a tradução do material de agência, que não tem contexto, nem história, nem análise”. Mas, segundo Claudia, os correspondentes das agências se esforçam para ser objetivos.
– Mais do que os dos jornais, como o New York Times, o Financial Times, o Le Monde, que têm posições formadas sobre os assuntos, nem sempre políticas, mas definidas pela cultura, cultura tout court e cultura política.
Só com o trabalho das agências não se entende o que acontece, constata ela.
Claudia não se diz satisfeita com o trabalho realizado. “Trabalho em jornal, como se sabe, é uma frustração diária, nunca se chega ao que se tem em mente”. Uma queixa que se repete nas redações: “o fechamento é muito cedo”. Grande ironia da mudança tecnológica. Quando os computadores chegaram ao Jornal do Brasil, onde éramos colegas, a lógica indicava que o fechamento poderia ser retardado, dadas as facilidades criadas pela tecnologia. Aconteceu o contrário.
Nesse ambiente, torna-se ainda mais necessária uma boa formação. “O jornalista precisa ter a história na cabeça, saber o que é relevante”, diz Claudia.
Agenda própria, sem ser “caipira”
Entre os grandes jornais, a editora destaca o New York Times e o Financial Times:
– Dois bons jornais, complementares, diferentes. O NYT com foco sempre na cultura. O FT é um jornal de economia, mas sabe enxergar a política na economia. O NYT faz grandes coberturas internacionais, mas tem dificuldade para fazer essa combinação. Como os jornais brasileiros.
Claudia afasta a idéia conspiratória. “O que eles têm é uma agenda americana” muito bem definida, há muito tempo, e amplamente compartilhada por diferentes setores da sociedade. É o que falta um pouco na cobertura internacional da imprensa brasileira, afirma. “Ter uma agenda própria”. Não em termos políticos, mas em extensão da cobertura.
– Acho que o que pode diferenciar uma cobertura da outra não é tanto o viés político, se é esquerda, direita, centro, se mantém a objetividade, se não mantém – diz a jornalista. – Toda cobertura é influenciada, um pouco, pelo ponto de vista de quem está produzindo, e isso é mais pronunciado em política internacional. O que diferencia é de que país, de quem você vai falar. E nisso é que a gente não pode ser igual nem aos Estados Unidos, nem aos jornais europeus. A gente pode aproveitar muita coisa que eles fazem, como a gente aproveita. Tem muita coisa de qualidade. Mas a gente tem que tentar criar a nossa própria agenda. Não de uma forma, assim, caipira, “Ah, vamos dar porque tem relação com o Brasil. Vamos dar porque isso interessa ao Brasil”. Não é desse ponto de vista. Quem faz internacional tem que ter uma visão cosmopolita. Não precisa ter uma relação direta com o Brasil para ser importante. É a gente tentar ver que regiões do mundo têm problemas iguais aos nossos. O que você vai dar é mais importante do que como você vai dar. Porque como você vai dar, você tem que ter sempre uma idéia de ser sempre o mais objetivo possível e ao mesmo tempo o mais contextualizado e o mais analítico possível.
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Aprendizado de sucursal
Claudia Antunes, se formou em jornalismo pela UFRJ em 1982. Dos primeiros trabalhos como estagiária ficou-lhe uma lembrança forte do BIP – Boletim Informativo das Paróquias –, jornalzinho da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Depois foi para o Jornal do Brasil, onde passou, ainda estagiária, pela editoria de Cidade e pela Internacional – que, chefiada por Jorge Pontual, tinha como redatores, entre outros, Raul Ryff e Aluisio Machado.
Em 1984 foi para a TV Manchete, como editora de texto. Voltou em 1986 à Internacional do JB, onde foi redatora e subeditora. Entre 1992 e 1995, foi subeditora de Política – isso incluiu a inesquecível cobertura do impeachment de Fernando Collor. Em 1995, substituiu Regina Zappa, a editora de Internacional, que havia recebido uma bolsa para estudar nos Estados Unidos.
Em 1999, convidada por Marcelo Beraba, tornou-se coordenadora de Redação – cargo equivalente a chefe de Reportagem – da sucursal da Folha de S. Paulo no Rio de Janeiro. Em julho de 2005, iniciou um ano sabático patrocinado pela Fundação Nieman, de Harvard. São 12 bolsas para jornalistas americanos e outro tanto para não-americanos. Ela pôde escolher os cursos que seguiria. Na volta, foi convidada a assumir a editoria de Internacional da Folha.
De sua experiência na sucursal do Rio ficou o aprendizado de faz-tudo. “Foi seqüestro no ônibus 174, apresentação de balanço da Petrobrás, mudança na diretoria do BNDES, cobertura política de Garotinho. Sucursal tem essa característica”.