Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Primeiras páginas: guerra de egos e palco de marqueteiros

 

Infelizmente é nisso que se transformou a maior parte das primeiras páginas de jornais impressos e das escaladas dos telejornais. A tranquilidade de nos sentir bem informados está sendo substituída pela insegurança e frustração de nos ver transformados em inocentes úteis de estratégias marqueteiras dissimuladas de jornalismo.

É o que sentimos nós, consumidores de informações, quando assistimos a um bate-boca na sala do presidente do STF a propósito da criação de novos tribunais regionais federais; ou quando testemunhamos o tiroteio estatístico em torno da inflação no país; ou ainda quando recebemos informes contraditórios sobre o pôquer diplomático das ameaças mútuas entre as duas Coreias que, tecnicamente, estão em guerra há mais de 50 anos.

A criação de novos tribunais regionais federais, em si, é um fato promissor porque pode desafogar o incrível congestionamento de processos na justiça federal brasileira. Mas para o presidente do STF, Joaquim Barbosa, e para os dirigentes das associações de magistradoso mais importante é o contexto do jogo de interesses criado em torno da questão.

Barbosa não admite que a iniciativa tenha sido feita à sua revelia enquanto os magistrados aproveitam para fazer lobby corporativista, tendo como pano de fundo outra questão: a polêmica sobre quem tem a exclusividade de iniciar investigações sobre corrupção: a polícia ou o Ministério Público.

A imprensa noticia os fatos, mas eles são cada vez menos significativos porque o contexto em que se situam é muito mais importante e é nele que podemos entender o que nos beneficia ou prejudica. E isso os jornais e a TV não nos explicam porque é bem mais complicado do que a simples descrição do que aconteceu ou a especulação do que pode vir a suceder.

Os números da inflação são reais (até prova em contrário), mas só ganham significado quando colocados num quadro mais amplo. Os índices sobem sem que tenhamos certeza se estão ou não sob controle. O governo diz que sim e a oposição nega. Mas todo o auê feito pela imprensa em torno da inflação só ganha relevância quando descobrimos que a questão já é um item eleitoral da campanha presidencial de 2014. Estamos preocupados com os preços, mas o noticiário alimentado por políticos e consultores está mesmo é de olho na política.

Se por um lado assistimos impotentes a essa ocultação intencional e técnica (complexidade da apuração jornalística) do contexto das notícias, sem o qual os fatos significam pouca coisa, por outro, vemos os jornais deliberadamente privilegiando a publicidade em prejuízo das notícias e reportagens. Chegamos ao cúmulo de ver as primeiras páginas de jornais escondidas em vistosos envelopes ou sobrecapas publicitárias, invertendo a lógica da manchete noticiosa.

Nas páginas internas, os anúncios passaram a ocupar os espaços nobres e as notícias relegadas aos cantos ou sobras de espaço. Há 20 anos, o alto das páginas era reservado ao noticiário – numa regra de ouro raríssimas vezes quebrada pelos editores. Hoje, os diagramadores fazem malabarismos gráficos para encontrar espaço para informação quando a publicidade deixa algo vazio.

A combinação de noticiário enviesado pelo ego e pelos projetos políticos das principais figuras públicas do país com a cada vez mais escancarada predominância da publicidade na fisionomia gráfica dos jornais, bem como o impressionante crescimento das ”falsas notícias” vinculadas a interesses comerciais das indústrias da comunicação só podia dar no que deu: a evasão de público.

No Jornal Nacional, as chamadas “notícias da casa” (eventos patrocinados ou apoiados pelas Organizações Globo) chegam a formar quase um terço do espaço noticioso. Às vezes até mais. Um show de Roberto Carlos pode ser notícia, mas ela perde grande parte de sua relevância social quando descobrimos que o espetáculo é promovido por uma empresa ligada à Globo e que a procura de ingressos está abaixo das previsões.

O que a imprensa publica hoje como noticia não passa de uma pálida amostra da realidade. A notícia da notícia, ou seja, o contexto, o porquê de Joaquim Barbosa ter ficado tão furioso com os magistrados e por que ele permitiu a presença de jornalistas para testemunhar o bate-boca, são “notícias” mais significativas para nós do que a reunião em si. E como a imprensa não consegue mais dar a notícia da notícia, ela se torna cada vez mais descartável, pelo menos no formato atual.