O Google está no olho de um furacão que começou a se formar nos Estados Unidos e deve se espalhar pelo resto do mundo.
Como você sabe, a não ser que tenha acabado de desembarcar de Marte, o mais poderoso site de busca da internet é daquelas criações que fazem as pessoas se perguntar: como é que a gente conseguia viver sem ela?
Antigamente, havia em São Paulo um jornal chamado Gazeta Esportiva. Tinha um slogan: se a Gazeta não deu, ninguém sabe que aconteceu.
O Google é mais ou menos isso levado à enésima potência: se você não achar ali o que procura, é porque, com toda a probabilidade, o que você procura não existe.
Sem falar nessa maravilha absoluta chamada Google Earth, com suas imagens e mapas. Depois dele, ficou muito difícil, quase impossível, perder-se neste mundo.
O Google não cessa de se expandir, determinado a negar o Postulado de Friedman – alusão ao economista americano Milton Friedman [1912-2006] que dizia que “na economia, não existe almoço grátis”, ou seja, tudo tem um custo, que alguém sempre terá de pagar.
Para zilhões de usuários, o Google não é um almoço grátis. É um celestial banquete grátis. Os custos, ou parte deles, são bancados pelos anúncios – os “links patrocinados” que aparecem nas páginas que o sistema abre quando acionado por uma consulta.
Os motores do Google funcionam tão bem que os anúncios são cada vez mais sob medida para o internauta-consulente. O Google, portanto, não apenas sabe o que você procura, mas também sabe quem você é.
“O Google prescruta nossas casas, nossos oceanos, nossas fraquezas, nossos movimentos e nossos gostos”, escreve no New York Times de quarta-feira, 15, a colunista Maureen Dowd, a propósito de sua visita à sede do Grande Irmão, em Mountain View, California, e de sua conversa – não é propriamente uma entrevista – com o chefão do negócio, Eric Schmidt.
O que a levou até ali foi justamente o furacão que ameaça – ou poderá vir a ameaçar, para ser mais prudente – o modelo Google de dois lados: um, a sua apropriação e oferta de conteúdos presumivelmente protegidos pelo direito autoral; outro, a devassa que os seus motores de busca fazem na intimidade alheia.
Firmas como o Google, atesta a colunista, sequestraram o jornalismo, “fazendo nos sentir tão modernos como a réplica do Tyrannosaurus rex que fica no seu campus”.
Maureen: “Schmidt, de 53 anos e fala mansa, exibe a calma do terapeuta que sabe das coisas quando explica por que a privacidade já era e porque jornais que já eram não vão arrancar dinheiro do Google para se salvar’.
Querem “arrancar” dinheiro do Google, para usar o verbo agressivo do seu criador, o megamagnata das comunicações Rupert Murdoch (que diz que ‘os grandes jornais não devem deixar o Google roubar nossos direitos autorais’) e Robert Thomson, editor-chefe do Wall Street Journal, um dos jornais de Murdoch, (que compara sites como o Google a parasitas intestinais, tênias e solitárias).
Outro que está de olho nos dólares de Schmidt é a agência de notícias Associated Press. [Leia neste blog, a propósito, o artigo “Jornalismo de banda estreita”, de 15/4, dez últimos parágrafos.]
A AP fala em processar o Google e outros agregadores de notícias que usam sem permissão, e sem pagar nada em troca, material jornalístico de agências e publicações.
Eles que tratem de se remunerar de outra forma, parece ser a resposta de Schmidt. “A melhor maneira de sair dessa é inventar um novo produto”, aconselha, sem entrar em detalhes, naturalmente. “É o jeito Google de pensar. Os instalados quase nunca inventam o futuro.”
E os anúncios sob medida? É o futuro da publicidade online. argumenta. “Os anúncios serão mais eficazes quanto mais personalizados e precisos forem.”
A privacidade, ora, a privacidade…
Mas Schmidt se apressa a lembrar que se alguém se queixar de aparecer numa foto constrangedora tirada pelas câmaras do Google View Street [que flagram cenas das ruas que figuram nos seus mapas], logo logo o queixoso terá o seu rosto apagado. O sistema que os bruxos do Google estão criando vai se chamar “o anonimizador” – soa tão feio em inglês como em português, mas é assim que essa gente fala.
O cara acha que os seus serviços de busca desmistificam. Dá um exemplo: como é que o Barack Obama se comportava no primário? Ah, sim, ‘tá aqui uma foto dele escarafunchando o nariz.
E pensar que o jornalismo de qualidade sempre consistiu em fazer escolhas editoriais entre o relevante, para ser publicado, e o irrelevante, ou invasivo, para ser engavetado.
Mas essas sutilezas, diz Schmidt à colunista, os computadores não conseguem reproduzir muito facilmente.
É o tal do admirável mundo novo.