Em janeiro deste ano, publiquei aqui no Código um post sobre o início da discussão em torno da idéia do jornalismo sem fins lucrativos. O debate chegou agora à grande imprensa e abre um a nova perspectiva, a do papel da imprensa regional e local dentro do processo de circulação de informações.
A questão do jornalismo sem fins lucrativos havia sido levantada em janeiro por dois economistas norte-americanos e foi agora retomada pelo senador democrata Benjamin Cardin num projeto que oferece facilidades financeiras à jornais regionais e locais que optarem por um modelo semelhante ao de emissoras públicas como a BBC inglesa, o PBS (Public Broadcasting System) americano ou a TV Cultura, no Brasil.
Embora a questão esteja sendo enfocada pela imprensa dentro do contexto da polêmica sobre a salvação dos grandes jornais, o projeto do senador Cardin abre as portas para um debate ainda mais relevante, o do papel da imprensa regional e local na vida comunitária e na reorganização das formas de convivência social, na era digital [ver ‘Um projeto para salvar a imprensa livre‘].
Todo mundo sabe que a imprensa começou local e foi neste ambiente que ela cresceu, amparada na integração com a comunidade. Depois ela se transformou num grande negócio e passou a ser orientada por interesses econômicos ou políticos. A crise deste modelo está forçando uma reinserção comunitária da imprensa em geral, o que gera uma série de indagações.
Pode um jornal sobreviver sem o apoio da comunidade? Pode uma comunidade sobreviver sem um jornal? Qual o papel que os poderes Executivo e Legislativo têm na definição dessas questões?
A busca de respostas não é um exercício de academicismo, mas uma necessidade provocada pela mudança da ecologia informativa contemporânea, na qual as pessoas estão tendo que aprender a conviver com a avalancha informativa e suas consequências.
Nós já estamos vivendo num ambiente de caos e complexidade informativa, só que ainda não nos acostumamos com isto. É um aprendizado difícil porque as velhas regras já não funcionam mais e as novas ainda não estão consolidadas. Segundo o sociólogo italiano Alberto Mellucci, a única coisa segura que os cidadãos digitais encontram é o convívio comunitário, onde ele pode compartilhar suas dúvidas e necessidades.
A grande ferramenta para viabilizar este compartilhamento é a mídia local — seja ela impressa, online, por rádio ou TV. A dinâmica dessa nova sociabilidade levará inevitavelmente ao surgimento de canais comunitários de comunicação, mas esse processo pode levar tempo porque dependerá de um consenso local, nem sempre fácil de alcançar.
É aí que o Estado pode entrar como agente facilitador ao criar instrumentos jurídicos e financeiros capazes de ajudar as comunidades a desenvolver veículos de comunicação sem fins lucrativos e de utilidade pública para incrementar a interatividade local e, por conseqüência, novos conceitos de cidadania.
Este talvez seja o grande mérito do debate mundial gerado pelo projeto do senador Cardin. Se a discussão se resumir à salvação de empresas jornalísticas endividadas por maus negócios e especulação financeira, nós todos estaremos perdendo uma chance valiosa de ajudar a criar um novo relacionamento entre imprensa e comunidades.