Os acontecimentos das últimas semanas nas principais cidades brasileiras mostram que entramos num círculo vicioso em que os protestos de rua geram reação da polícia cujos excessos e desorientação realimentam a revolta dos manifestantes, gerando uma cadeia de retaliações que tendem a aumentar de intensidade.
Os protestos de junho mostraram como o descontentamento de segmentos da população rompeu as barreiras do temor e do conformismo. Os, na época, isolados episódios de violência serviram de pretexto para ações violentas da polícia, ao mesmo tempo em que as autoridades e a mídia tentavam neutralizar os protestos por meio da associação ao vandalismo.
A estratégia não funcionou e os mascarados passaram a se tornar figuras quase obrigatórias em qualquer manifestação. A violência da polícia, bem como a incessante divulgação de episódios envolvendo policiais e ex-policiais com o crime organizado, com casos de corrupção financeira e com tortura de cidadãos, minaram o poder intimidador dos organismos de repressão.
O surgimento da figura dos mascarados e o recurso à depredação de bens públicos e privados são um sintoma de como os manifestantes já não temem mais a ação da polícia, chegando mesmo a desafiá-la. A fronteira entre protestos pacíficos e ações violentas está cada vez mais tênue, o que sinaliza uma situação complexa e caracterizada por uma dinâmica imprevisível, pois a reconstrução da imagem policial inevitavelmente será um processo demorado.
Os protestos encontram sua motivação principal na realidade socioeconômica do país, enquanto a polícia passa cada vez mais a ser movida pela raiva e frustração. O problema é que está cada dia mais difícil haver um recuo tanto dos manifestantes como da polícia. Os manifestantes já não encontram mais razões para dar um passo atrás na medida em que descobriram que podem expressar sua revolta, apesar da polícia. Esta, por sua vez, perdeu a oportunidade de esfriar a crise se tivesse adotado condutas mais serenas nas ruas e mais inteligentes nas salas de comando. Agora, um recuo policial seria extremamente constrangedor e provavelmente inaceitável pela tropa.
O recurso à demonização do Black Bloc não funcionou porque o uso de máscaras tornou-se um adereço para muitos manifestantes, sem nenhuma ligação direta ou indireta com o Black Bloc. Assim como pintar o rosto foi a forma de protestar contra Fernando Collor de Mello em 1992, hoje a ocultação do rosto tornou-se o símbolo dos novos indignados. A mídia insiste em qualificar os mascarados como uma escória política, mas esta generalização não tem assustado a juventude da classe C acostumada com a arrogância policial.
O novo do círculo vicioso de ação e reação entre polícia e manifestantes é marcado pela redução da desigualdade entre os dois lados, algo inédito nas últimas décadas, quando a presença dos batalhões de choque e dos blindados era suficiente para intimidar os participantes em protestos de rua. Este equilíbrio instável gera uma situação em que as manifestações tendem a crescer em escala horizontal enquanto a ação policial tende a aprofundar a repressão.
É uma situação muito perigosa porque é muito pouco provável que o aparelho policial decida jogar a toalha, a não ser que ele se divida em facções opostas. Assim, o mais provável é que a tenhamos mais violência, o que pode nos levar a tempos duros e difíceis que a geração com mais de 40 anos prefere esquecer.
Governantes e políticos teriam um papel-chave no rompimento da irracionalidade da ação e reação, mas eles estão todos em cima do muro por conta das eleições do ano que vem. Não querem se queimar nem com o aparelho de segurança e nem com os manifestantes. Agem como se estivessem num jogo de pôquer, esperando para ver quem vacila primeiro. É uma aposta perigosa demais para ser levada a sério.