Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Prozacs’ sob suspeita, só num jornal

O Globo e o Estado, dos três principais jornais brasileiros, estão hoje em companhia do New York Times.

Má companhia.

Nenhum deles deu uma linha sobre a notícia mais quente do dia na área da saúde:

”Um dos maiores estudos já feitos sobre os antidepressivos modernos concluiu que eles têm efeito clínico limitado. Os resultados da pesquisa, feita nos EUA, mostraram que as drogas só serviram em pacientes gravemente deprimidos.”

O texto está entre aspas porque é transcrição do parágrafo incial da chamada de primeira página da Folha, remetendo o leitor à matéria “Estudo aponta que antidepressivos têm baixa eficácia”, no caderno Cotidiano, traduzida do londrino Independent.

A chamada contém um erro. A pesquisa não foi feita nos Estados Unidos, mas na Inglaterra. E a matéria devia estar na página de ciência do primeiro caderno, parte da qual, aliás, está ocupada com a notícia incomparavelmente menos importante de que “análise química do cabelo pode indicar o paradeiro das pessoas”.

Mas o essencial é que a Folha, destacando a matéria dos antidepressivos sob suspeita, mostrou-se mais sensível que a concorrência ao interesse do leitor por assuntos que o tocam de perto. Justiça lhe seja feita, não é a primeira vez.

Faltou abrasileirar o texto do jornal inglês, acrescentando-lhe um box com o que se sabe sobre o consumo de antidepressivos no Brasil – até para dar aos leitores que não recorrem às chamadas “pílulas da felicidade”, a dimensão da coisa.

Dados da indústria farmacêuticas, decerto já superados, falam em 356 milhões de comprimidos vendidos no país em 2002.

No mundo inteiro, informa hoje o Guardian, de Londres, já na abertura da matéria escolhida para render a manchete do dia, 40 milhões de pessoas tomam Prozac. Isso para dizer em seguida que nem esse, nem outros medicamentos do mesmo tipo “funcionam”.

O estranho, no caso do New York Times, é que terça-feira é dia do seu alentado (8 páginas) caderno de ciência. Alguém ali ate a fly, seria o caso de apontar, se também os povos de fala inglesa usassem o nosso “comeu mosca”.

Só garimpando na edição online do jornalão, o leitor descobrirá um despacho da agência Reuters, recebido às 2h19 de hoje, anunciando que um estudo duvida da eficácia dos antidepressivos.

Eis a matéria que em boa hora a Folha sacou do Independent:

“Eles estão entre as drogas mais vendidas de todos os tempos – são ‘pílulas da felicidade’, que supostamente levantam o ânimo daqueles que sofrem de depressão -, mas um dos maiores estudos sobre os antidepressivos modernos concluiu que eles não têm efeito clínico significativo.

O achado deve abalar médicos e pacientes e levanta questões sérias sobre a regulamentação das empresas farmacêuticas multinacionais, que foram acusadas ontem de esconder dados sobre essas drogas.

A popularidade da atual geração de antidepressivos, conhecidos como inibidores seletivos de recaptação de serotonina – entre os quais estão algumas das drogas mais vendidas do mundo, como o Prozac e o Serotax – decolou depois de seu lançamento, nos anos 1980.

Eles foram pesadamente promovidos como medicamentos mais seguros e com menos efeitos colaterais do que os velhos antidepressivos tricíclicos.

No novo estudo, cientistas conduziram uma metaanálise de 47 testes clínicos de medicamentos, publicados e não-publicados, submetidos à FDA (agência que regulamenta drogas e alimentos nos Estados Unidos), feitos para subsidiar pedidos de licença para seis dos principais antidepressivos, incluindo o Prozac, o Serotax e o Efexor.

Os resultados mostraram que as drogas só serviram em um grupo pequeno de pacientes, os gravemente deprimidos.

Irving Kirsch, da Universidade de Hull, que liderou o estudo, publicado on-line na revista ‘PLoS Medicine’, afirma que os dados submetidos à FDA teriam passado ainda por autoridades de saúde da Europa.

Eles mostraram que os medicamentos produzem melhora ‘muito pequena’ em comparação com placebo: só 2 dos 51 pontos da escala de depressão de Hamilton.

Isso bastou para que a licença fosse concedida, mas ficou aquém do mínimo de três pontos requeridos pelo Instituto Nacional de Excelência Clínica do Reino Unido para estabelecer ‘significância clínica’.

Mesmo assim, o instituto aprovou as drogas para uso no Reino Unido porque apenas teve acesso aos testes publicados, que mostravam um efeito maior dos medicamentos.

‘Diante desses resultados, parece haver pouca razão para prescrever antidepressivos a quaisquer pacientes, exceto os mais deprimidos, a menos que tratamentos alternativos tenham falhado’, disse o líder do estudo. Segundo ele, as farmacêuticas seguraram dados disponíveis a autoridades de saúde, de modo que médicos e pacientes não entendiam a verdadeira eficácia das drogas.

A GlaxoSmithKline, fabricante do Serotax, disse que os autores do estudo ‘falharam em reconhecer’ os benefícios dos antidepressivos e suas conclusões ‘conflitam com a prática clínica’. A Eli Lilly, que fabrica o Prozac, declarou em nota: ‘Experiências médicas e científicas extensas demonstraram que a fluoxetina é um antidepressivo eficaz’. A Wyeth, que faz o Efexor, diz que reconhece ‘a necessidade de tratamentos farmacológicos e não-farmacológicos para a depressão’. “