Há dois dias repercute o artigo do editor do caderno Folha Ilustrada, da Folha de S.Paulo, sobre Bono, ex-Bono Vox, Marcos Augusto Gonçalves. Os leitores do blog participam com cruzados de esquerda e de direita, resumindo a discussão sobre fome e miséria ao que parece ser, antes de diferenças partidárias, uma expiação dos males sociais que perduram na nossa paisagem cotidiana. Entra governo, sai governo, o constrangimento continua o mesmo.
A miséria incomoda e pendura culpas nos ombros do cidadão, sem que ele as mereça. Talvez por isso os espíritos se armem com tanta rapidez. Exemplos dessa animosidade, por exemplo, podem ser encontrados em trechos dos comentários recentes do Contrapauta. O que pegou no fígado foi o desconhecimento de causa dos argumentos, apresentados apenas para demolir a causa de um ídolo que é criação da própria mídia. Bono, pelo menos, usa o poder de difusão que tem para nos lembrar das injustiças cometidas contra países pobres, por causa da imposição de regras comerciais impostas pelos países ricos.
Nesse sentido, levando a discussão para o encontro Bono e Lula, primeiro é preciso dizer que é incorreto e estreito resumir o almoço entre os dois como um recurso de campanha do presidente do Brasil. O jogo, com a entrada do popstar na parada, passou a ser global. Ambos faturaram altíssimo, ganhando espaço em jornais e sites mundo afora.
A projeção de Lula no exterior incomoda, principalmente porque o assunto é fome. Seu governo começou com a criação de uma das maiores expectativas para se banir as cenas do nosso cotidiano, mas não tinha sequer um 0800 para orientar cidadãos comovidos e dispostos a colaborar. O apelo do Fome Zero mobilizara personalidades totalmente apolíticas, como Gisele Bundchen, cujo cheque doado ao programa demorou 45 dias para ser descontado porque, segundo justificativa oficial da época, não faltava apenas um serviço de orientação, mas também a abertura de uma conta-corrente no Banco do Brasil. O marketing suplantara o planejamento. Embora o fiasco tenha sido diminuído quase dois anos depois, com a troca dos ministros e a organização do Bolsa-Família, muitos eleitores traídos vêem hoje apenas ilusionismo e demagogia quando Lula menciona as palavras ‘miséria’ e ‘fome’.
A desilusão é compreensível, apesar da melhora dos índices de renda e emprego. O que tem, pode e deve ser evitado é a redução do debate sério que o assunto exige ao xingatório partidário. Esse estado de espírito só garante uma coisa: a permanência da inconsciência coletiva diante de estados degradantes de humanidade criados por práticas comerciais desleais.