Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Qual a função do jornalismo em momentos de crise?

A resposta parece óbvia, mas não é. Os manuais de redação ensinam que a função do jornalista é manter o público informado para que ele possa tomar decisões. Num momento de crise, esta recomendação seria ainda mais importante porque a instabilidade da conjuntura torna difícil distinguir a informação dos boatos, o que aumenta a dificuldade das pessoas em formar opiniões.

Mas não é bem isto o que acontece. Em situação de crise, ou ameaça de crise, as redações acabam sendo levadas a assumir as mesmas posições das empresas para as quais trabalham e que, geralmente, colocam como prioridade principal os seus interesses corporativos, familiares, políticos ou ideológicos, às vezes tudo isto junto.

Os leitores e telespectadores estão acostumados a este tipo de situação porque já identificam em cada empresa jornalística um núcleo de interesses que nem sempre coincide com os seus. Os jornalistas sofrem o impacto de uma situação que, do ponto de vista profissional, é extremamente atrativa porque uma crise envolve momentos de tensão, mas, por outro lado, obriga o profissional a por em segundo plano o seu verdadeiro papel, na hora em que ele é mais relevante.

Estamos vivendo momentos que antecedem uma crise política e econômica cujos contornos reais ainda são impossíveis definir, mas que certamente estão relacionados ao processo eleitoral do ano que vem. Nesta conjuntura a imprensa joga um papel fundamental porque é ela que está determinando sobre o que as pessoas discutem. A imprensa não está impondo opiniões e nem posicionamentos políticos, mas está, claramente, “arrumando o campo” para a campanha eleitoral.

Meu colega Luciano Martins já identificou claramente como o processo está se desenvolvendo, qual a estratégia dos políticos, e mostrou o malabarismo informativo das empresas jornalísticas. Mas jornalismo e empresas jornalísticas não são a mesma coisa, o que levanta a questão do papel dos profissionais do jornalismo nesta conjuntura. 

Nada contra que as empresas tenham os seus interesses e os seus candidatos, mas informação é outra coisa e tem a ver com o direito das pessoas saberem o que está acontecendo da forma mais isenta e verídica possível. Uma empresa está movida por uma lógica de negócios, portanto é compreensível que ela deixe de divulgar determinados fatos que a prejudicam desde que não impeça as concorrentes de fazê-lo.

Os empresários e negociantes entendem esta lógica. Quando você vai vender um carro usado não vai logo contando todos os defeitos e problemas. Mas, para o comprador, o essencial é justamente aquilo que não foi revelado. O mesmo acontece com os leitores, ouvintes e telespectadores, quando procuram saber o que está por trás da notícia e quais são os interesses embutidos nela.  

Como os executivos de empresas jornalísticas misturaram deliberadamente interesses corporativos e o exercício do jornalismo, o público agora confunde uma coisa com outra, criticando as empresas por aquilo que seus jornalistas escrevem ou dizem. Para bem de um e de outro, é necessário separar as coisas e deixá-las bem claro, a começar pelo papel do jornalismo em tempos de crise.

Se as empresas pretendem resguardar sua credibilidade perante leitores, ouvintes, telespectadores e internautas, elas precisam deixar de agir como vendedoras de carros usados, ao ocultar do leitor os reais motivos de estratégias editoriais vinculadas a objetivos político-eleitoreiros. 

E os profissionais das redações devem conquistar a autonomia necessária para destrinchar o complicado quebra-cabeça pré-eleitoral para que o público possa entender minimamente o tiroteio noticioso a que está sujeito em questões como inflação, plebiscito, médicos, violência urbana, só para citar os mais frequentes e atuais.