Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando a mídia diz ‘podes crer’

Na contramão do que informam hoje em primeira página os outros dois principais diários do país – ‘PF já concluiu: Palocci foi o mandante da violação de sigilo’ (Estado) e ‘PF está certa de que Palocci é o mandante’ (Globo) – a Folha banca em manchete que ‘PF fará acareação entre Palocci e Mattoso’.

Nem o Estado, nem o Globo se dão o trabalho de indicar aos seus leitores de onde vem tanta certeza. O Estado fala em ‘a PF acredita…’, ‘Para a PF…’. O Globo, mais específico, diz que ‘O delegado Rodrigo Carneiro Gomes, responsável pelas investigações, concluiu que Palocci é o mandante, depois de interrogar o ex-ministro’ e atribui a ‘um dos investigadores do caso’ a declaração de que o quadro dos fatos ‘permite responsabilizar o ministro’.

Já a Folha diz que ‘apurou’ que a acareação será feita para mostrar ‘que não há interesse do governo em acobertar um eventual crime do ex-ministro’. E dá-lhe mais ‘A PF avalia’, ‘Para a polícia…’.

Não se espera, evidentemente, que em casos dessa natureza a imprensa possa identificar as suas fontes. Mas nunca é demais insistir em que os jornais, mesmo tolhidos pelo ‘off’, devem se esforçar ao limite de suas possibilidades para mostrar aos leitores por que devem confiar nas informações que lhes são oferecidas.

‘Para a PF’, ‘um dos investigadores do caso’, ‘A Folha apurou’ não bastam como atestado de credibilidade. Nem mesmo dizer que o delegado ‘concluiu que’. Terá sido ele próprio a fonte da informação?

Principalmente em caso de notícias desencontradas, por que o leitor deve acreditar numa e descrer da outra? E no caso dessa outra – a da suposta acareação –, vale o quê? O confronto visa ‘esclarecer quem foi o mandante da violação do caseiro’? Ou o confronto servirá para mostrar que o governo não pretende ‘acobertar um eventual crime’?

No fundo, cada uma das três matérias, cada um dos três jornais está dizendo o seguinte: ‘Não podemos ser mais específicos sobre o que bancamos com irrestrita convicção – ‘PF já concluiu’, ‘PF está certa de que’, ‘PF fará’. Mas podem confiar em nós. Somos sérios, fizemos um trabalho à prova de bala, checando cada informação antes de publicá-la, e sabemos do que estamos falando.’

À parte o fato de que dois jornais dizem uma coisa e o terceiro diz outra, não basta o ‘podes crer’ de nenhum deles. Principalmente quando tanto se fala em crise de credibilidade da mídia.

P.S.

Só depois de ter escrito esta nota, encontrei no Valor a melhor prova de que o leitor está coberto de razão quando desconfia do que lhe é vendido como verdade irrefutável.

‘Os depoimentos tomados até aqui não permitiram à Polícia Fedeeral chegar a uma conclusão sobre os dois crimes que estão sendo apurados: quem ordenou a quebra do sigilo e quem vazou o extrato bancário do caseiro para a imprensa’, acautela o jornal. ‘Assim, a apuração ficou no limbo. A PF não descobriu quem ordenou, nem quem vazou o sigilo do caseiro.’

E conclui com outra advertência: ‘A quebra do sigilo […] corre o sério risco de acabar sem a punição formal de nenhum dos envolvidos.’

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