Jornalistas em geral não têm tempo nem cabeça para ler as cartas dos leitores selecionadas para publicação. Vive-se há anos-luz do tempo em que a seção de cartas do Times de Londres – para citar o exemplo mais famoso, no setor, da história da imprensa – era esquadrinhada não só pelos editores, mas pelos políticos, como termômetro da opinião pública britânica.
No Brasil, a tradição dos grandes jornais era a de publicar um punhado de manifestações do leitorado só para não se dizer que o papel do leitor era inteiramente passivo – aceitar o noticiário como uma espécie de verdade revelada e e dizer amém aos editoriais escritos à maneira de sermões seculares.
Podiam se contar nos dedos as edições que contivessem cartas criticando – onde já se viu? – ‘a posição da casa’.
Embora isso tenha mudado para melhor – basta ver o espaço e a visibilidade que o Globo dá a seus leitores – não ocorre nas redações que as cartas possam ser pautas. Ou por trazer informações novas sobre os assuntos tratados, ou como indicador do chamado sentimento popular.
Daria uma matéria que seria lida com interesse a reação aparentemente unânime do público leitor à declaração do presidente da Venezuela, Hugo Chávez comparando o Congresso Nacional a ‘papagaios’ de Washington, por causa do protesto contra a não renovação da concessão da RCTV, de Caracas, que expirou em 27 de maio.
O interesse não está nas críticas ou nos aplausos a Chávez. Está no fato de os leitores, em coro, terem aproveitado a ensancha para desancar os parlamentares brasileiros, mesmo quando pensam o pior do dirigente venezuelano.
Diversos leitores partiram para o sarcasmo. ‘Absolutamente inadmissível’ a fala de Chávez, escreveu um deles no Estado. ‘Fique este senhor sabendo que nós, brasileiros, exigimos mais respeito aos papagaios!’
Alguém poderá se perguntar onde está a notícia, quando pesquisa recente, feita antes ainda da Operação Navalha e do affair Renan, mostrou que apenas 1% dos brasileiros respeita os políticos brasileiros.
A notícia está no fato de que o descrédito do Legislativo chegou a tal ponto que mesmo os anti-chavistas não se sentiram melindrados com o ataque. Em regra, nenhum povo se sente confortável com críticas do exterior a aspectos da vida de seu país, ainda quando concorde com elas. Não é o que se nota agora.
Um leitor resumiu tudo em duas palavras. Depois de escrever que não simpatiza com Chávez, gostou de saber que ele falou mal dos políticos brasileiros. E arrematou:
‘Bem-feito’.
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