O jornal Valor foi o primeiro a destacar que o transporte urbano mobilizará o debate eleitoral este ano, como está no título da matéria de página inteira, publicada na edição de 7 de abril, com uma panorâmica das atitudes dos potenciais candidatos a prefeito de seis capitais diante da crise de circulação, que em São Paulo já alcançou proporções medonhas.
Hoje, o Valor centra o foco no inferno paulistano, com incursões por outras cidades, com a matéria de capa “Basta!” de seu caderno de fim de semana EU&. [Dentro o título não é menos vigoroso: “Deixe-me ir”.] Jornal de economia que é, o Valor ressalta quanto custa o pesadelo – R$ 33,5 bilhões por ano em prejuízos causados pelos engarrafamentos permanentes, segundo cálculos, já divulgados antes, do economista Marcos Cintra, da FGV.
A reportagem percorre a rota habitual dos textos sobre o assunto, mas se guarda de dar com todas as letras a má notícia de que o tormento do trânsito não tem fim à vista, porque as grandes cidades, em geral, já não dão conta dos efeitos desse brutal aumento que está aí da frota de carros particulares em circulação. E não darão conta enquanto perdurar a predileção das pessoas pelo transporte individual
A idéia, que a mídia não se cansa de propagar, de que um sistema de transporte coletivo de boa qualidade, subterrâneo, naturalmente, tiraria das ruas de São Paulo um número suficiente de veículos particulares para permitir que o trânsito fluisse é meia-verdade. É óbvio que tudo que se puder investir nisso é pouco. Mas o buraco é mais em cima.
Por volta de 2003, quando Londres estava para adotar o pedágio urbano, uma pesquisa sobre os hábitos de transporte da população revelou que 30% dos londrinos continuariam a usar o carro, mesmo que o deteriorado metrô da capital voltasse a ser o que foi até a década de 1970, quando era melhor do que o de qualquer outra metrópole do mesmo porte no mundo.
Não admira que o pedágio no centro de Londres não poupe a cidade do “caos no trânsito”, como registra o Valor. O problema é que “o automóvel é uma mania” em toda parte. Tornou-se irremediavelmente disfuncional. Quando os primeiros calhambeques começavam a revolucionar o modo de vida urbano, no início do século 20, uma cançoneta alemã dizia:
“Eu tenho um automóvel / ando para onde eu quero” [No original, rima.] Hoje, o preço dessa liberdade é o eterno congestionamento.
A pergunta que a imprensa precisará fazer a todos os prefeitáveis é até onde estão dispostos a ir na única direção que resta – e avisar isso ao eleitorado, olho no olho: impôr restrições draconianas ao uso do auto particular.
Está na matéria do Valor: São Paulo precisa tirar das ruas, como der, 2 milhões dos hoje ironicamente chamados carros de passeio. É mais ou menos o que sai da cidade nas férias de verão. E isso apenas para atenuar o sofrimento que os monumentais gargalos causam a motoristas e a não-motoristas.
”As pessoas”, diz o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, citado na reportagem, “só vão deixar o carro em casa quando não tiver mais jeito”.
Ou quando forem obrigadas a isso pelos governantes.
Dito de outro modo – que é o que a imprensa deveria deixar claro – enquanto não piorar para uns, não vai melhorar para todos.