Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando indignação é informação

Domingo, enquanto rodavam o mundo as imagens do inferno que Israel fez descer sobre Qana – a segunda chacina de civis inocentes no mesmo povoado libanês em 10 anos –, o leitor da Folha podia se deparar com a seguinte passagem da coluna de Janio de Freitas, redigida obviamente na véspera ou antes:

”No Líbano, a estimativa da ONU é a de que um terço das mortes civis sejam crianças. (Ah, como é difícil escrever uma frase dessas com frieza “jornalística”).”

Hoje, o mesmo leitor encontrará na Folha a transcrição do artigo do calejado repórter inglês Robert Fisk, do Independent, contando o que viu em Qana, depois da atrocidade israelense que matou cerca de 60 pessoas, mais da metade delas crianças, que haviam deixado suas casas e se abrigavam no porão de um prediozinho, por medo e falta de dinheiro para fugir do vilarejo.

”Os pequenos corpos foram colocados sobre tapetes. Os cabelos tinham poeira, e havia sangue nos narizes”, relata Fisk. “É preciso um coração de pedra para não sentir a indignação dos que presenciaram a cena.”

Costuma-se criticar o caráter “inflamatório” do tratamento dado pela mídia árabe – em especial a TV – ao conflito israelense-palestino. [Eis, por sinal, uma expressão típica da frieza “jornalística” criticada por Janio.]

Mas há limites para o jornalismo objetivo. Diante de um crime de guerra como o de ontem, descrever os fatos é apenas uma parte da história. Essencial, sem dúvida. Não menos essencial, porém, é o senso de decência humana comum que deve perpassar o noticiário.

Porque esconder a indignação que deve assaltar numa hora dessas todo repórter e editor que não tenha coração de pedra beira a obscenidade. E porque, numa hora dessas, indignação é também informação.

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