Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quem controla a notícia?

Os jornalistas perderam o controle da notícia na internet e agora estão ameaçados de perdê-lo também nos jornais impressos, rádios e emissoras de TV convencionais. É que cresce o número de políticos, governantes, empresários e até artistas que condicionam a concessão de entrevistas ou informações à obediência dos repórteres e editores a determinadas normas fixadas pelos entrevistados.

O fenômeno, que está ganhou dimensões mundiais, inclui desde entrevistas completas até meras citações de uma frase.  No período eleitoral , esta prática se torna quase um padrão entre os candidatos, embora os jornalistas raramente mencionem o fato por temerem perder acesso à fonte ou ficarem sem a informação, que acaba sendo publicada pelo concorrente.

A regra está sendo quebrada na campanha eleitoral norte-americana, onde jornais como o The New York Times e The Washington Post resolveram quebrar romper o pacto de silêncio e colocar na agenda de notícias o debate sobre o direito de os entrevistados condicionarem ou não o tipo de declaração e o contexto em que serão publicadas. Aqui no Brasil, essa questão só é levantada quando afeta  interesses políticos da imprensa, o que acaba transformando o problema numa polêmica particular.

A discussão sobre quem tem o controle sobre a noticia é interessante porque torna pública uma questão complexa e que provavelmente ainda vai exigir muito trabalho dos neurônios jornalísticos.

Os entrevistados passaram a impor condições para falar à imprensa por conta de sua crescente preocupação com o contexto informativo em que  suas declarações serão inseridas. O fenômeno se torna mais intenso nos períodos pré-eleitorais, quando a preocupação dos candidatos com sua imagem pública chega às raias da paranoia. Mas a prática de impor condições — e até revisar textos, fotos e vídeos antes da publicação — já está se tornando cada vez mais comum fora da política.

A preocupação com o contexto é uma reação das personalidades e instituições diante da dependência cada vez maior da imagem pública de ambos, como precondição para alcançar objetivos políticos ou comerciais. Marca também o reconhecimento da possibilidade de a imprensa manipular o contexto para induzir percepções favoráveis ou desfavoráveis entre os consumidores de informações.

Não é segredo que a imprensa usou esse recurso de manipular contextos com frequência preocupante, criando uma situação em que ambos os lados têm culpa em cartório. Se as tentativas de influenciar a publicação constituem uma interferência indevida no livre fluxo de informações, por outro lado a manipulação de contextos é igualmente condenável,  porque priva o leitor de uma percepção mais objetiva da questão abordada.

Também é publico e notório que políticos, governantes, empresários e personalidades tentam influenciar a imprensa antes mesmo do contato direto com repórteres e editores. Os comunicados de imprensa (press releases) são uma forma aceita de tentar condicionar a informação dada ao jornalista.

Nos casos mais grosseiros, o profissional consegue identificar os interesses embutidos no comunicado, mas a sofisticação crescente nas técnicas de relações públicas torna cada vez mais difícil distinguir a informação do marketing. Caso o jornalista resolva não ser um “inocente útil” no marketing alheio, ele acabará gastando um bom tempo para separar o joio do trigo e provavelmente será ultrapassado pela concorrência, ficando exposto à censura de seus superiores.

A internet já acabou com a exclusividade da imprensa na coleta, edição e distribuição de noticias porque hoje qualquer pessoa com um computador e acesso à rede pode desempenhar uma atividade informativa.  Mas a web também criou mecanismos que possibilitam uma relação menos invasiva entre jornalistas e fontes.

Como as fontes também têm acesso à internet , um entrevistado pode publicar a íntegra de suas declarações ou de um documento deixando ao leitor a liberdade de escolher entre a versão da imprensa e a da fonte da informação. A possibilidade de ser checado na veracidade e fidedignidade de seu trabalho pode funcionar como um poderoso desestimulador de manipulações jornalísticas de contextos noticiosos.  É o que já fazem muitas instituições e governantes, mas  infelizmente ainda são minoria.