A arte de ilaquear tem duas escolas. Uma, a clássica, se guia pela expectativa ou esperança do ilaqueador de que é possível enganar o público, ou porque ele tem pouca informação, inteligência e sensibilidade, ou porque uma lorota bem contada pode mais do que esses atributos, quando se presume que existam.
Em menos palavras: ou o povo é bobo, ou, se não for, sempre dá para fazê-lo de bobo.
A segunda escola é mais ousada. Consiste em fazer crer que bobo é o próprio ilaqueador. A bobice forjada funciona como uma espécie de boi de piranha para que a patranha principal consiga chegar à outra margem do rio.
O político que, sob a luz causticante do sol, quer persuadir por a+b que chovem canivetes se filia à primeira corrente. Pertence à segunda o político que, na mesma situação, usa como prova o fato de sair à rua encapotado e de guarda-chuva aberto.
Diante da repercussão das suas inclementes acusações aos companheiros do PT gaúcho, na matéria da Piauí, a reação inicial do ex-ministro e ex-deputado José Dirceu foi de apelar para a escola convencional – negar as traulitadas que desferiu e que, pelo seu contexto, pelo que se conhece da autora da reportagem, Daniela Pinheiro, e pela seriedade da publicação, não poderiam ser uma fabricação ou um mal-entendido.
Depois, ao que se lê no Estado de hoje, ele se inspirou na corrente modernista. Baixou o volume de seus desmentidos, elogiou a matéria no atacado e se voltou contra a imprensa em geral, por ter noticiado com o previsível destaque aquelas de suas afirmações capazes de “desencadear intensa polêmica”.
“Como sempre”, fustigou, “o que interessou foi um único trecho sobre o PT gaúcho, que possibilitou à mídia explorar as divergências internas no nosso partido”.
José Dirceu se faz passar por bobo quando sugere que, se fosse para ecoar o trabalho da Piauí, os jornais deveriam privilegiar a narrativa do seu trabalho como consultor internacional em vez dos seus ataques à companheirada do Sul, com quem tem contas a acertar desde o escândalo do mensalão.
Ora, ele sabe desde criancinha que cachorro que morde homem não é notícia, o contrário sim. Portanto, disse o que disse sobre o PT gaúcho e caixa 2, ciente de que acabaria nas mancheteS.
Mas tem lógica essa aparente bobeira. De um lado, é a proverbial assoprada depois da mordida. De outro, serve para fazer passar a boiada das acusações indiscriminadas à imprensa pelo seu antipetismo.
Comparação esclarecedora: deu no jornal que o presidente Lula ficou aborrecido com a forma como os ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo anunciaram o pacote de Ano-Novo. Eles deveriam ter falado menos nos aumentos de impostos e mais na intenção do governo de cortar R$ 20 bi dos gastos da União, para equilibrar as contas federais neste pós-CPMF.
Lula pode ter sido injusto com os seus colaboradores. Ainda que gastassem 99% do seu latim com os cortes, o resultado seria o mesmo: a mídia ressaltaria os aumentos, por serem, obviamente, muito mais notícia. Pelo menos o presidente não aproveitou a esancha para criticar a imprensa.