”Vazamento de informação que prejudica uma investigação tem de ser punido rigorosamente. Mas a punição tem de ser só do agente público ou do jornalista também? Isso é que tem de ir para o debate.”
As palavras são do secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, no Globo de domingo.
Segundo o jornal, ele foi incumbido pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, de preparar o projeto de lei do governo sobre abuso de autoridade.
A decisão de fazer o projeto foi acertada pelo presidente Lula com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Há duas semanas, depois que Mendes acusou a Polícia Federal de “espetacularizar” a Operação Satiagraha, eles se reuniram no Planalto.
Na quarta-feira passada, o presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, Raul Jungmann, do PPS de Pernambuco, levou ao ministro Genro e ao das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, a minuta de uma proposta que tipifica o conceito de abuso de autoridade, com mais rigor do que a lei em vigor, de 1965, e endurece as penas para os culpados.
Prevê 4 a 8 anos de prisão, além de multa e afastamento da atividade pública, para policiais, procuradores, juízes, membros dos tribunais de contas que atentarem contra os direitos fundamentais do cidadão garantidos na Constituição, como a liberdade individual, a integridade física e moral, a intimidade, a vida privada e a inviolabilidade do domicílio. Hoje a pena vai de 10 dias a 6 meses. Na prática, isso e nada é a mesma coisa.
Mas a proposta de Jungmann não fala em prisão para jornalistas, se divulgarem textos que lhes forem vazados contendo transcrições de conversas telefônicas ou mensagens eletrônicas interceptadas com autorização judicial – o maior abuso de autoridade de que a Polícia Federal é acusada na Operação Satiagraha.
No caso, não foi nem vazamento. Foi hemorragia.
Mas, salvo prova em contrário, nenhum jornalista pôs a faca no peito de algum funcionário com acesso ao inquérito para que abrisse as veias. Quem o fez poderia repetir com Jânio Quadros: fi-lo porque qui-lo. Por uma penca de razões – nenhuma defensável, já que se trata de material protegido por segredo de Justiça.
Pode-se discutir, do ponto de vista da ética do ofício, se a imprensa deve divulgar documentos sigilosos como aqueles – ainda que não os tenha surrupiado, mas recebido na bandeja. Talvez não haja uma resposta única, e cada caso seja cada caso.
Mas, deva ou não deva, uma coisa é certa: pode.
Pode porque jornais, revistas e emissoras não são responsáveis pela guarda de informações reservadas por ato judicial. Responsáveis são os servidores públicos que deviam protegê-las por que isso faz parte de suas funções.
Há muitos anos, contava-se de Tancredo Neves uma história que vem a calhar. Certa vez um político fofoqueiro lhe perguntou: “O senhor guardaria um segredo?” Ouviu a seguinte resposta: “Se o senhor, que é o dono do segredo, está querendo passá-lo adiante, por que eu teria de guardá-lo?”
O funcionário que passa adiante um segredo continua sendo dono dele. Dono negligente ou delinquente, mas dono, ainda assim. O segredo, em suma, pode ser compartilhado. A responsabilidade por sua guarda, não.
P.S. Enquanto o Globo noticia o preparo da lei de abuso de autoridade no Ministério da Justiça, tendo como ponto de partida a minuta do deputado Jungmann, o Valor de sexta-feira diz que não é nada disso: do governo não sairá proposta alguma que implique aumento do controle sobre a Polícia Federal; se surgir no Congresso, o Planalto mobilizará a base para empurrar o assunto para depois da eleição. Estarão os dois jornais falando da mesma coisa?
P.S.2 Acrescentado às 10h35 de 29/7
A Folha de hoje informa que o Ministério do Trabalho criou um grupo de estudos, integrado por donos de empresas de comunicação, jornalistas e representantes do governo, para dizer em 90 dias o que precisaria mudar na lei de 1969 que regulamenta a profissão de jornalista.
‘Será a segunda tentativa do governo de alterar a legislação’, diz a matéria. ‘A retomada da discussão ocorre no momento em que o STF sinaliza votar ação que trata sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalista.’
‘Votar ação’? ‘Trata sobre’?
Se o autor do texto não aprendeu na faculdade de jornalismo nem ao menos que tribunais não votam ações, mas as julgam, e que não existe tratar sobre alguma coisa, mas de alguma coisa, para que serve o seu diploma?