Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem não sabe anota, quem sabe checa

Noventa por cento, por baixo, dos repórteres que cobrem depoimentos em comissões do Congresso Nacional se limitam a registrar o clima da inquirição, as palavras dos depoentes e os eventuais atritos entre eles e os parlamentares.

Contam-se nos dedos os jornalistas que se dão o trabalho de checar a veracidade do que ouviram e anotaram. Claro, para isso é preciso estar por dentro dos assuntos tratados, ou, no mínimo, ter feito a lição de casa antes de pegar o gravador e o bloco de notas.

Daí a raridade do bom serviço prestado hoje aos leitores do Valor pelo repórter Daniel Rittner, da sucursal de Brasília do jornal, na cobertura do depoimento do ministro da Defesa, Waldir Pires, na audiência pública do Senado sobre o apagão aéreo.

Ele produziu o tipo da invejável reportagem que mata a cobra e mostra o pau, afirmando, já no título: “Ministro dá informação equivocada sobre crise aérea”.

Leiam e confiram:

O ministro da Defesa, Waldir Pires, deu ontem uma demonstração pública de desconhecimento das ações capitaneadas por sua própria Pasta. Em audiência pública no Senado, ele errou ao informar para os senadores que foram adotadas todas as resoluções do Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac), instância máxima do governo para o setor. Pires respondia a uma questão do presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), que quis saber sobre a aplicação das resoluções.

Evasivo na primeira resposta, Pires foi cobrado novamente por Fortes e disse então que todas as medidas determinadas pelo Conac haviam sido ‘tomadas adequadamente’. Na verdade, pelo menos seis resoluções não saíram do papel e algumas sequer avançaram tecnicamente. Há medidas que evoluíram do lado técnico, mas opuseram ministérios e ficaram sem definição final. O Conac não se reúne para deliberar sobre esses assuntos desde outubro de 2003. A Defesa preside e tem a secretaria-executiva do conselho, mas seus dois últimos ministros – o vice-presidente José Alencar e Pires – jamais se empenharam em fazê-lo reunir-se novamente, segundo fontes que acompanham o setor.

Uma das resoluções mais importantes, para a saúde financeira das empresas aéreas, é a que trata da alteração da fórmula que define o preço do querosene de aviação. Os gastos com combustíveis representam até 35% dos custos operacionais das companhias e têm sido alvo de reclamações, já que pilotos se vêem obrigados a sobrevoar aeroportos congestionados, onde não podem pousar, devido aos problemas de tráfego aéreo. Isso eleva o consumo de querosene. Estudos do governo indicam a possibilidade de reduzir em 16% o valor do combustível caso a mudança da fórmula seja adotada. As aéreas dizem que o preço só aumentou nos últimos anos: 26,5% em 2004, 8,9% em 2005 e 7% em 2006. Por resistências dos ministérios da Fazenda e de Minas e Energia, o assunto não evoluiu.

Também faltam definições sobre outros pontos mencionados em resoluções do Conac, como a inclusão de pulverizadores aéreos (aviões agrícolas) no Moderfrota e a internacionalização da Infraero, com aquisições de terminais de cargas no exterior, o que exige mudança em lei. Também não foi implementada a resolução nº 5, que recomendava a liberação de recursos dos fundos Aeronáutico e Aeroviário ao antigo Departamento de Aviação Civil (substituído pela Anac em 2006) e ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).

Os dois fundos acumulam mais de R$ 1 bilhão em recursos contingenciados. Na justificativa da resolução, o Conac fez o seguinte alerta, que soa premonitório quando hoje é olhado pelo retrovisor: ‘O contingenciamento sistemático desses recursos vem produzindo dificuldades’. E completa: ‘A diminuição dos recursos aplicados nessa atividade produz reflexos na própria segurança dos vôos, podendo acarretar a degradação do sistema, sendo que (…) pode obrigar o Comando da Aeronáutica, por medida de segurança, a adotar um controle de tráfego aéreo nos níveis convencionais existentes no passado’.

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