Na primeira página do caderno Economia, o Estado de hoje anuncia em manchete: “Receita cede e atende pela internet, mas programa ainda está em testes”.
O sujeito oculto do título é o número do recibo da declaração de renda do ano passado, que o Fisco exige que conste da declaração a ser entregue até o próximo 30 de abril – do contrário ela não será aceita.
O “cede” do título se refere à relutante decisão da Receita de dar uma alternativa ao contribuinte – diante do pedido do Ministério Público para que a exigência do recibo fosse adiada.
Isso porque o contribuinte que por acaso perdeu ou não sabe onde enfiou a declaração do ano passado, com o número do recebimento transmitido pela Receita via internet, teria de ir em pessoa a algum posto do órgão para reavê-lo.
Defensor dos interesses difusos da sociedade, o MP fez a coisa certíssima, alertando a Receita para o risco de uma ação judicial. Remancha daqui, remancha dali, a Receita afinal concordou em tornar o número acessível no seu site, a partir da sexta, 7. [O prazo para o envio da declaração começa hoje.]
Era de imaginar que, indo ao site e digitando o seu CPF, o interessado poderia ir a um link onde encontraria o bendito número.
Mas aí alguém na Receita deve ter achado que os sem-número precisariam sofrer um pouco mais.
Assim, resolveu inventar o programa de que fala a manchete do Estado. O programa obrigará o contribuinte a responder a algumas perguntas.
E aí caímos na malha fina das obsessões patológicas da burocracia.
O número e o tipo de perguntas que serão feitas pela internet “ainda serão definidos pela Receita”, diz o manda-chuva Joaquim Adir, coordenador nacional do Imposto de Renda.
Já viram, não é?
O que não se viu foi algum órgão de mídia cair de pau na Receita por exigir agora um dado (o número do recibo) passado ao contribuinte no ano anterior – sem avisá-lo, à época, da exigência futura, para que guardasse bem guardado o tal do número.
Ah, mas ao definir as regras para a declaração de 2007, a Receita talvez ainda não tivesse decidido exigir o número no ano seguinte.
Pois então, muito simples: o contribuinte seria informado agora de que a declaração de 2009 só seria validada se incluísse o número do comprovante de entrega da declaração deste ano.
Com isso, o Fisco apenas estaria cumprindo uma obrigação diante do contribuinte de quem exige o diabo.
Não o tendo feito, é absurdo um jornal dizer que “Receita cede”. A verdade é que a Receita mantém o abuso.