Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Receita para a crise da mídia impressa

Se você acompanha ou participa do debate sobre o futuro da imprensa, eis um texto que, pela clareza, conexões e amplitude, merece o tempo que você levar para ler as suas 1.900 palavras.

Trata-se do artigo ousadamente intitulado “Como salvar a mídia”. O autor se chama Jason Pontin. Ele é editor-chefe da Technology Review, publicada pelo MIT – o famoso Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge, EUA – onde mantém um blog.

O artigo, diga-se desde logo, tem ao lado de suas inúmeras qualidades, entre as quais ser bem-informado e bem-escrito, um sério defeito: passa batido pelo problema da qualidade do jornalismo, em qualquer de seus formatos. Isso quando não desdenha dele, como ao defender uma política de mãos de tesoura para adequar as redações ao imperativo do lucro das empresas editoras – e dane-se o resto. Mas, enfim, julgue você mesmo.

Tradução, condensação e adaptação do blogueiro. O original pode ser lido aqui. Agradecimentos a Tony Knopp, do MIT, pela dica.

“Durante 300 anos, duas fontes correlatas de renda sustentaram a imprensa: assinaturas e publicidade. O sistema funcionava imperfeitamente. A maioria dos leitores eram caroneiros, lendo exemplares emprestados que outros haviam comprado; e pelo fato de ninguém saber ao certo quantas pessoas liam as publicações, ou como a publicidade influía nas suas decisões de compra, os anunciantes gastavam o seu dinheiro ineficientemente.

Mas enquanto os rendimentos das assinaturas e dos anúncios cresciam, o sistema funcionava. Por sua vez, o negócio editorial respaldava o ofício do jornalismo, o que, tudo considerado, era uma coisa boa. Nas sociedades abertas, revistas e jornais eram os mais importantes pontos de troca no livre mercado de ideias. As publicações informavam, instruíam, divertiam e deliciavam.

Mas a internet ensinou aos leitores que poderiam ler matérias quando quisessem e sem custos, e ofereceu às empresas meios mais eficientes para anunciar. Ambos passaram a gastar menos. Em consequência, o negócio da mídia adoeceu.

Nos últimos meses, as notícias sobre revistas e jornais, já aflitivas por muitos anos, tornaram-se alarmantes.

Tem sido moda perguntar: ‘Se o velho modelo faliu, o que haverá de funcionar no seu lugar? E responder: ‘nada. Nada funcionará’.

A teoria do crepúsculo dos deuses da mídia convencional tem uma formulação mais fraca e outra, mais forte. A versão mais suave diz que “a sociedade não precisa de jornais; o que se precisa é de jornalismo”.

Por isso, as próximas décadas assistirão a uma variedade de experimentos não lucrativos cujas fontes de financiamento serão, por exemplo, bolsas, patrocínios e dotações. Um dia, algum inovador tropeçará em algo que subsidiará confiavelmente as publicações do futuro.

A versão mais forte é que as próprias fontes de informação preencherão o espaço antes ocupado por jornalistas. Todo mundo será jornalista.

Ora, se as empresas de mídia não conseguem faturar e todo mundo é jornalista, segue-se que “amadores” e “fontes” serão parte de uma mídia descentralizada.

Isso tudo é asneira e ignorância. A ideia de que os profissionais envolvidos no negócio da mídia – redatores, editores, diretores de arte, diretores de marketing e vendedores de espaço – estão sendo derrubados por pessoas comuns, usando tecnologias digitais, resulta da confusão entre imprensa convencional e impressoras.

Na realidade, a vantagem comparativa da imprensa convencional não está na propriedade de impressoras, mas na colaboração de profissionais. Fazer bom jornalismo é um processo tremendamente trabalhoso, requerendo infra-estruturas mais dispendiosas do que qualquer impressora.

Essas infra-estruturas, graças às quais as publicações alcançam grandes e coerentes audiências, só podem existir dentro de organizações complexas – empresas, na maioria das vezes.

Algumas dessas infra-estruturas precisam ser reinventadas para a internet. Outras, particularmente as editoriais, continuam funcionando bem. Tenho certeza disso porque o número de leitores de jornais e revistas está crescendo. Claro que, com poucas exceções, esse crescimento é digital.

Para dar um exemplo, entre 14 milhões e 22 milhões de pessoas leem o nytimes.com todo mês; a circulação do Times impresso nos dias úteis é de apenas 1 milhão. Ao todo, a qualquer dia, 32 milhões de americanos leem notícias online. Esses números indicam consumidores satisfeitos. Naturalmente, há um bom negócio para a imprensa convencional no meio eletrônico. A questão absorvente é como pagar por aquilo que agrada a tantos.

É uma calúnia dizer que nem os administradores da imprensa convencional nem os seus jornalistas têm boas respostas para essa questão. Existem muitos donos de editoras [publishers] e editores idiotas, e suas publicações vão morrer. Mas há também muitos líderes espertos, conhecedores da tecnologia, e suas publicações vão prosperar. Embora os detalhes ainda estão em debate, as linhas gerais da mídia de amanhã estão ficando mais claras.

Consumidores, por exemplo, precisam pagar mais pelo que leem. Algumas das coisas que precisam ser feitas não podem ser feitas pela própria mídia. Não será fácil e poderá não acontecer – mas pode ser feito. Por partes:

Circulação, assinaturas, plataformas e frequência

1. A imprensa em papel está morrendo, mas ainda não está morta. Revistas e jornais precisam de uma estratégia para o setor de impressão mesmo ao se preparar para as plataformas digitais do futuro.

2. Durante muitas décadas, publicações eram superdistribuídas a leitores que, no fundo, não as desejavam, porque os seus publishers eram antigos vendedores de anúncios que esperavam ter lucros cobrando dos anunciantes as tarifas mais caras possíveis. Os assinantes se acostumaram a pagar muito pouco, porque os rendimentos da publicidade bancavam os custos de circulação. Os publishers devem cobrar mais de menos leitores por suas assinaturas.

3. Conteúdos pelos quais alguns leitores pagam em um meio (atualmente, impresso, em geral) jamais deve ser oferecido gratis a outros leitores em outro meio (eletrônico, em geral). Em vez disso, material editorial deve ser distribuído aos assinantes numa variedade de plataformas.

4. Assim como os publishers não deveriam se preocupar com quais plataformas os seus leitores preferem, desde que sejam rentáveis, eles deveriam lhes proporcionar a mais ampla escolha razoável de assinaturas. Um leitor deveria poder fazer uma assinatura para a vida inteira ou para um ano, um mês, uma semana, ou um dia. Se fizer sentido, um leitor deveria poder comprar um pacote de matérias, ou mesmo uma matéria. O preço de uma assinatura deve refletir a sua duração e as plataformas nas quais o produto é entregue.

5. A mais importante plataforma editorial do futuro serão provavelmente telas leves, finas e flexíveis, que usem tinta eletrônica. Isso porque o material distribuído a tais monitores será tão interativo como os dos atuais sites, mantendo embora as fontes, o desenho gráfico, as ilustrações e fotos da imprensa tradicional (uma gramática visual maravilhosamente rica na qual diretores de arte trabalharam ao longo dos séculos). Mas os publishers não devem ficar obcecados por plataformas: devem encará-las como meros canais de distribuição que beneficiam diferentes tipos de conteúdo. No curso da próxima década, deverão distribuir conteúdo editorial para além da web, a pequenos equipamentos como iPhone, para equipamentos maiores como o Kindle, da Amazon, para equipamentos que usam tinta eletrônica e para publicações impressas (ao mesmo por um pouquinho mais de tempo).

6. Impressão e distribuição física são caros. Por isso, enquanto continuarem imprimindo e despachando publicações, os publishers deveriam fazê-lo menos frequentemente. Revistas mensais podem ser impressas bimestralmente; revistas semanais, duas vezes por semana; jornais, só aos fins de semana.

Publicidade, patrocínio e classificados

1. Desde sempre, os publishers cobravam demais pelo espaço nas suas publicações impressas, seja por superdistribuí-las, seja por entregá-las a leitores indiferentes às mensagens publicitárias. Assim, os anunciantes se comportam racionalmente quando compram espaço online, mais eficiente e mais fácil de medir. Em vez de ficar ressentidos com os anunciantes, ou esperar que de algum modo recuperem o entusiasmo pela ineficiência e impossibilidade de contabilizar os efeitos dos anúncios. Nem o ressentimento, nem a esperança são estratégias de negócios.

2. Hoje em dia, os anúncios on line mais apreciados pelos anunciantes são as palavras-chaves e os de busca (os links patrocinados que aparecem junto aos resultados da pesquisa no Google e outros sites do gênero, ou são vendidos por empresas de busca e aparecem em outros sites). Os anunciantes gostam das palavras-chaves porque a sua efetividade não deixa margem a dúvidas: eles pagam por cliques ou transações. Gastos com palavras-chaves aumentaram 21% em 2008 e representam atualmente 45% da publicidade online. Em comparação, os anúncios expostos, ou banners, cresceram apenas 4%. Isso é um problema porque esse tipo de comerciais deveriam financiar a grande migração de leitores para a nova mídia. Mas eles só competirão com a publicidade de palavras-chaves só quando houver melhores instrumentos de medição de audiência. Espantosamente, ninguém sabe quantas pessoas visitam sites. Nenhum fornecedor desses dados é confiável. Os blogues exageram o seu público.

3. Além de estarem cobertos de divergências sobre o tamanho dos públicos na web, a publicidade de banners padece de profundos problemas estruturais que precisarão ser resolvidos antes que os anunciantes gastem nisso grandes somas.

4. Entre as mais promissoras formas de publicidade para as empresas de mídia são os anúncios sob medida – quando o publisher trabalha diretamente com um anunciante e a sua agência para criar uma campanha singular, ligada a um evento editorial específico, integrando todas as plataformas. Mas o problema é que muitos anunciantes, encorajados por um mercado publicitário deprimido, desejam borrar as fronteiras entre publicidade e material editorial.

5. Anúncios classificados, a não ser no sentido estreito de ofertas de emprego em publicações profissionais, já não fazem parte do negócio de publicar. Esqueçam deles.

Material editorial

1. Editores podem cobrar por conteúdo que seja singularmente inteligente; que se baseie em dados, investigação e análises autorizados; que ajude os leitores no seu trabalho, investimentos e consumo pessoal; ou que seja custosamente produzido. Tudo mais precisa ser gratis. A propósito, embora a qualidade do material redacional deva ficar à altura dos padrões mínimos de uma publicação, os editores não deveriam investir nisso tempo ou dinheiro demais: bom é o bastante.

2. Na maior parte das vezes, editores devem dar aos leitores o que eles dizem que querem. Isso exigirá uma mudança oceânica de atitude. À medida que subi na hierarquia de várias redações, fui encorajado a cultivar um suave desdém pelos leitores. Dizíamos a nós mesmos que eles não sabiam o que queriam. Mas a mídia eletrônica e as tecnologias sociaias tiveram um efeito paradoxal: de um lado, leitores decepcionados podem abandonar uma publicação com um clique de mouse ou um golpe de polegar; de outro, os mesmos fatores fortaleceram as sensibilidades dos leitores. Nossa regra no Technology Review é que cerca de 80% do que publicamos deve satisfazer as expectativas dos leitores, e o resto pode expandir suas mentes.

3. Uma das coisas que alguns leitores dizem querer é publicar comentários sobre matérias, assim como as suas próprias matérias em sites das empresas de mídia. Frequentemente, tais leitores querem poder se comunicar diretamente uns com os outros, por meio de tecnologias sociais. Esses leitores não são tantos assim, mas têm opiniões fortes sobre o assunto e ficam bravos quando suspeitam que os editores querem ser ‘porteiros’. Estes devem dar as boas vindas à participação do leitorado e abrir as suas redações ao mundo exterior. (Eu, por mim, adoro saber o que os nossos leitores pensam e sabem.) Considerado apenas como oportunidade de negócios, conteúdo gerado por leitores faz sentido: o conteúdo, em si, é gratis, os custos a ele associados se limitam à hospedagem na web e ao desenvolvimento do sistema pelo qual os leitores podem mandar seus textos, enquanto o conteúdo gera tráfego e impressões.

4. As redações devem ficar menores. Quão menores? A menos que um jornal ou revista tenha um patrono abonado, tem de dar lucro real e previsível. Se tiver um patrono, as perdas da publicação devem ser previsíveis e sustentáveis. Juntamente com outros gastos, orçamentos editoriais devem encolher até se tornar racionais, ou a publicação fechará. Aceitar isso será extremamente difícil para a maioria dos editores; só o seu próprio fim ou a quebra das empresas onde trabalham realmente os convencerá. As coisas mudam ou perecem, incluíndo organizações outrora acalentadas. Os atuais diários e revistas serão transformados ou substituídos por outras publicações, que terão novas formas e modos de negócios. Haverá uma grande e terrível faxina: pencas de jornais e revistas desaparecerão; os que sobreviverem ficarão muito reduzidos; e a maioria das pessoas empregadas como jornalistas ou profissionais de mídia terão empregos diferentes daqui a cinco anos. Ao mesmo tempo, milhões de ‘amadores’ e ‘fontes’ florescerão para enfeitiçar leitores. Mas quem quer que diga que a mídia-enquanto-negócio está morrendo está errado.”