A Folha tem sido demonizada como antagonista facciosa do presidente Lula. Veja-se como foi construída uma manchete de página (A5, abaixo da coluna de Janio de Freitas) não no contexto da crise Tabajara, mas do dia 25 de julho:
‘Governo FHC não atrasava, diz empresário
Dono da Planam diz que torceu para Serra vencer eleição de 2002 para que R$ 8 milhões empenhados fossem liberados‘
Na diagramação atual, além da linha fina do título existe um subtítulo que antecede o lead da reportagem. Usa, no caso em exame, a técnica capenga (muito encontradiça no Estadão) de ‘dialogar’ com outras partes do título, como se o leitor certamente fosse ler tudinho, o que não é verdade.
Reza assim:
‘Vedoin, porém, não afirmou
que ex-ministro da Saúde
tivesse participação
em esquema; uma vez eleito,
Lula congelou a verba‘.
A técnica empregada no título é macarrônica. Repete-se o verbo dizer, muda-se a conjugação do presente (‘diz’) para o passado (‘não afirmou’)
Mas não é isso que importa. Importa registrar que a Folha pratica sensacionalismo político não apenas contra Lula, mas contra diferentes personagens. ‘Esquenta’ o noticiário. Ou ouviu o galo cantar e nem poderia imaginar aonde isso estava acontecendo.
No caso, os alvos são FHC e Serra. Mas Serra, no texto da reportagem, é isentado de responsabilidade.
A reportagem é baseada em vazamento de depoimento de Luiz Antonio Vedoin à Polícia Federal. O que mais fez a Folha, no caso? Nem se deu o trabalho de checar datas e descobrir, por exemplo, que no final do governo FHC o ministro da Saúde era Barjas Negri. Serra tinha saído para concorrer à presidência da República. A Folha limitou-se ao declaratório. Foi ouvir ‘as duas partes’. Para colocar lenha na fogueirinha (quem diria que ela viraria incêndio…). Ficou assim, resumido em dois ‘olhos’ que ocupam a sexta coluna da diagramação:
‘A CPI tem de investigar o Serra também, porque tudo isso remonta à gestão dele. Tem candidato que está com o nariz crescendo‘ – Ricardo Berzoini, presidente do PT.
‘Mais uma vez eles [o PT] não respondem aos fatos graves que atingem o partido. Eles acham que não respondendo e jogando lama nos outros eles ficam tranqüilos‘ – Tasso Jereissati, presidente do PSDB.
Repito a data: 25 de julho. Adivinhe, leitor, o que o presidente do PT, Berzoini, aprontou depois. Ah, se a Folha tivesse prestado mais atenção em seu próprio noticiário… Que grande furo poderia ter dado.
* * *
Onde andam as prometidas prestações de contas?
No dia 30 de agosto, a Folha publicou reportagem sobre sabatina feita com o candidato Orestes Quércia. Título: ‘Todo mundo fez caixa dois, diz Quércia’. Linha fina: ‘Para peemedebista, que elege Serra como principal alvo de ataque, presidente tinha ciência da existência do mensalão’. Pancada em Serra, pancada em Lula.
Por falar em caixa dois, onde andam as prestações de contas na internet que candidatos e partidos prometeram fazer?
Seria interessante saber, por exemplo, quem contribuiu para a campanha de Quércia. No site do PMDB paulista não há uma palavra sobre o assunto.
* * *
Adendo em 29 de setembro, 15h50
Folha, 16/9, página 6:
‘Vedoin envolve Serra e assessor
em esquema das ambulâncias
Darci e Luiz Antonio agora afirmam que tucanos participaram da máfia quando estavam na Saúde
Pai e fiho dão entrevista à
Revista ´IstoÉ´ e dizem ter
pago propina a empresário
de Piracicaba que dizia
trabalhar para ex-ministros‘
Página A7:
‘Serra se diz vítima de ´baixaria da oposição´
Aliados de tucano insinuam ligação do PT com entrevista dos Vedoin dizendo que eram beneficiados na gestão de ex-ministro
Alckmin sai em defesa de
correligionário; ´O Serra, [sic] é
um homem público sério.
Esse Vedoin cada hora fala
uma coisa´, afirmou ele‘
E:
‘Ministro que sucedeu tucano diz não
conhecer empresários sanguessugas‘
E:
‘Tucanos vêem
ação do PMDB
em entrevista‘
E:
‘Membros da CPI acreditam que novas
denúncias têm motivações eleitorais‘
Só uma semana depois a Folha voltou ao assunto (23/9, A20):
‘Vereadores pró-Barjas evitam investigação
Bancada governista impede a abertura de CPI sobre relações entre prefeito de Piracicaba e o empresário Abel Pereira
Procuradoria deve convocar
Abel para depor no caso
sanguessuga, por tentar
falar com Vedoin quando
venda de dossiê foi fechada‘
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