Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Inquérito Leveson: tentativa de apagar a fogueira pode deflagrar um incêndio

A publicação do polêmico relatório Leveson na Inglaterra passou a ser um caso mundial com conotações políticas e que vai dar muito pano para manga no debate sobre regulação da atividade das empresas jornalísticas. As organizações empresariais reagiram às recomendações do informe sobre criação de um órgão regulador para a imprensa inglesa ao perceberem que as propostas do juiz Brian Leveson podem estabelecer um precedente mundial, capaz de colocar em risco um dos maiores ícones da indústria da comunicação: a total e irrestrita liberdade de ação no campo da informação jornalística.

O relatório de duas mil páginas divulgado na quinta-feira (29/11) foi encomendado pelo governo inglês para enfrentar as fortes críticas provocadas pelos desmandos do jornal News of the World, que foi flagrado praticando espionagem ilegal de correspondência, escuta telefônica e até chantagem, envolvendo políticos, jornalistas e mesmo membros da família real britânica.

A repulsa generalizada aos atos praticados pelo jornal do conglomerado News Corporation, controlado pelo milionário Rupert Murdoch, foi tal que a publicação foi fechada em julho de 2011 e seus editores, processados. O primeiro ministro conservador David Cameron procurou apagar o incêndio criando a Comissão Leveson para investigar o caso, mas hoje deve estar arrependido porque o tiro pode sair pela culatra. Em vez de apagar uma fogueira ele pode ter deflagrado um incêndio de grandes proporções.

O relatório não poderia  ter vindo em pior hora para a imprensa mundial, às voltas com uma sucessão ininterrupta de más noticias, fechamento de jornais, queda de receita publicitária, migração de leitores para a internet e — a pior de todas — a inexistência de alternativas claras para a crise no modelo atual de negócios da imprensa.

O relatório não trata o caso News of theWorld como um incidente isolado e centra todas as suas constatações no fato de que  houve um silêncio cúmplice da imprensa britânica com relação aos desmandos do jornal sensacionalista dominical. O juiz Brian Leveson parte deste pressuposto para propor que a imprensa seja monitorada por um órgão independente tanto das organizações empresariais quanto do governo.

Na verdade, a sugestão não chega a ser revolucionaria em seu conteúdo porque se baseia no principio da autorregulação da imprensa, que teoricamente já deveria ter inibido violações dos códigos de ética do jornalismo por parte das empresas. Nada impede que o novo órgão venha a cair na mesma armadilha da ineficiência e omissão, já que o novo debate sobre  do monitoramento da imprensa é politico e não funcional ou operacional.

A recusa das empresas jornalísticas em serem monitoradas por órgãos independentes é um resquício do velho discurso que associa a liberdade de informação à liberdade de negócios informativos. Informação é uma coisa e negócios com matéria-prima jornalística, outra bem diferente. A associação de ideias, promovida pelas empresas, visa garantir a liberdade dos negócios sob o manto do livre fluxo de informação.

O monitoramento da imprensa, especialmente depois que ela foi flagrada na Inglaterra violando a privacidade alheia, usando recursos ilegais e ignorando os códigos de ética, não pode impedir a existência de empresas jornalísticas. Elas são necessárias à informação pública, mas isso não lhes assegura privilégios de isenção de responsabilização perante a sociedade, já que a informação é cada vez mais um serviço essencial à vida cultural, social e econômica das comunidades.

As empresas jornalísticas deveriam agora se preocupar mais em rever o seu modelo de negócios, procurando novas alternativas de produção de notícias e informações na era digital, em vez de ficar defendendo um privilégio que não tem mais razão de ser no mundo contemporâneo, no qual as organizações estão cada vez mais interligadas e interdependentes.

Deveriam se preocupar mais em apagar a fogueira provocada pelo News of the World em vez de ignorar a indignação do público sobre a quebra de princípios éticos por parte de uma corporação jornalística, mesmo sabendo que os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas são a razão da existência da indústria da informação.