Agora não tem mais escapatória.
No Estado de sexta-feira, o repórter Gabriel Manzano Filho informou, com
base em um relatório da Infraero a que teve acesso, que o general Francisco
Albuquerque, comandante do Exército, mentiu ao declarar que não tomou iniciativa
alguma para sustar a partida do vôo em que acabaria embarcando com a mulher,
graças ao desembarque induzido de outro casal.
[Ver neste blog o texto ‘Repórter deixa o general falando sozinho’, de 10/3,
em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs/blogs.asp?id={4FF35688-A141-4170-A2CA-75F3D4236757}&id_blog=3
Hoje, o mesmo Manzano comparece no jornal com extratos de um livro de
ocorrências da Infraero e a íntegra xerocopiada de um termo de inquirição de
testemunha, do DAC. Os documentos comprovam para além de qualquer dúvida
razoável que o general ‘determinou’ a um suboficial do Departamento para
interromper a decolagem do avião. O DAC abriu sindicância para apurar
responsabilidades no episódio.
Manzano também resgatou uma dívida do jornal com a ética e os seus leitores,
contraída desde que embarcou na história pela primeira vez, na segunda-feira
passada: citou o nome do jornalista que levou o caso a conhecimento público
[Elio Gaspari, colunista da Folha e do Globo].Até hoje, de todos os jornais que
se ocuparam da carteirada, o Estadão vinha sendo o único a omitir o autor do
furo.
O esforço investigativo do repórter do Estado absolve o jornal e condena o
general. É o caso agora de parafrasear o que o então deputado Roberto Jefferson
disse em público, dirigindo-se ao então ministro José Dirceu: Comandante, sai
daí rapidinho. Se não sair rápido, vai fazer de ré toda uma corporação inocente
no caso, o Exército brasileiro.
P.S. Por falar em Exército, a colunista do Globo Míriam
Leitão publicou ontem a pensata mais inteligente que vi na mídia sobre a ação da
Arma em favelas do Rio. Ela adverte que a tropa nos morros expõe o país a um
risco extremo: sem um plano de campanha, o resultado pode ser uma tragédia.
Para quem perdeu o artigo intitulado ‘Perigos à espreita’, lá vai:
‘Quem viveu o que vivemos tem medo do Exército nas ruas.
Mas agora é tão outro o tempo em que vivemos que é melhor deixar de lado velhos
temores e pensar nas angústias atuais. Imagine se o Exército não reagisse diante
de tão descarada provocação? Por outro lado, 1.500 homens armados nas áreas
pobres da cidade põem em marcha uma dinâmica incontrolável. Os perigos são
enormes, como se viu esta semana. O recuo é desmoralizador.
É assombroso
pensar em cada ângulo deste drama. Soldados treinados como defensores da pátria,
sendo hostilizados em sua própria terra, devem estar com o moral baixo.
Promotores entraram com ação cautelar para tirar o Exército das ruas. Nas Forças
Armadas, só recentemente começou a mudar a idéia de que os soldados nada têm a
fazer nos conturbados centros urbanos. Por causa desta mudança de idéia, foi
criada a Brigada de Infantaria Leve — Garantia da Lei e da Ordem, com o objetivo
de treinar os soldados especificamente para ações urbanas.
Forças Armadas
não são polícia, mas não podem ficar indiferentes diante do fato de que o Estado
perdeu soberania sobre partes do território. Quando acontece o que nos
acostumamos a ver no Rio, áreas da cidade em que o governo não pode ir a não ser
com salvo-conduto, é porque não se trata mais de um caso de polícia
apenas.
Por negligência, o Estado tem estado ausente das áreas de
periferia das grandes cidades há muito tempo. Isso não é novo, nem exclusividade
do Rio. Mas no Rio de Janeiro, hoje, o Estado não pode entrar nem que queira. Há
muito tempo, os traficantes têm feito provocações à polícia. Agora escalaram e
foram atacar o Exército. Como os bandidos estão muito bem armados, imagina-se
que não atacaram o quartel atrás dos fuzis e da pistola. Foram para romper mais
uma das tantas barreiras que invadem cotidianamente e testar novos limites do
seu poder. Foram provocar. O Exército reagiu.
Mas é preciso discutir
qual é a forma mais eficiente de reagir à provocação dos traficantes. Os manuais
militares ensinam que uma operação terá menos risco se for deflagrada com
planejamento estratégico. Espalhar jovens pouco treinados e assustados pelos
morros cariocas com armamento pesado na mão, enfiados em ruelas cheias de
população civil indefesa, pode ser o começo de um grande desastre.
O
temor hoje é este. Não o velho medo de que tenham saído às ruas como atalho para
o Planalto. Isso é tão obsoleto que ninguém mais pensa. O problema é eles não
saberem por que mesmo saíram dos quartéis e onde querem chegar.
Há vários
riscos de desastre à espreita. O pior deles, uma tragédia civil — que Deus nos
livre dela. Em certas cenas, ela parece perigosamente próxima. Mas há também a
ameaça de desmoralização. Os soldados têm sido hostilizados pela população e
atacados pelos bandidos: a Operação Asfixia pode ir aos poucos tirando o
oxigênio do próprio Exército. É bom lembrar algumas lições militares. Os
bandidos estão em terreno que conhecem e têm vínculos com a população,
construídos pelo medo ou pela distribuição de favores. O Exército é estrangeiro
por lá. A cada dia sem que os fuzis sejam encontrados, os bandidos estão
demonstrando a sua força e os militares ficam cada vez mais encurralados. Eles
mesmos escolheram a armadilha quando disseram que só sairão quando recuperarem
aquelas específicas armas. Qualquer coisa menos que isso é derrota.
A
queda da criminalidade é um alívio para a sociedade e ilustra o quadro de
carência de autoridade que se vive no Rio. Mas não tira as Forças Armadas do
córner em que estão: ou mostram as armas recuperadas ou se enfraquecem; ou fazem
esta operação sem atingir inocentes, ou alimentam a animosidade da população
contra elas, o que significa aumentar o poder dos bandidos.
As Forças
Armadas brasileiras têm se queixado de falta de recursos, de meios, de
equipamentos para se manterem modernas e eficientes. Em 2002, o então candidato
Lula foi muito aplaudido numa reunião com militares quando prometeu o
impossível: aumentar os gastos militares e reequipar as Forças Armadas. Era
demagogia. Ele falava sem nem ter olhado os dados e verificado que, com toda a
penúria, elas têm o segundo maior orçamento da República. Os militares
brasileiros contestam as comparações internacionais, dizendo que as estatísticas
comparam bananas e laranjas, mas todas elas dizem o mesmo: o Brasil não gasta
menos que outros países. Entre países em desenvolvimento de médio porte, só
perde para os altamente populosos, como China e Índia. Mesmo assim, os oficiais
militares têm dito que não conseguem, com o que recebem, cumprir suas funções
constitucionais. Poderão manter-se nas ruas do Rio de Janeiro por “tempo
indeterminado”, como têm dito?
A ida para o Haiti representa, na visão
militar, um ganho objetivo. No cálculo dos militares brasileiros, os soldados
estão recebendo da ONU para realizar operações que, na prática, representam
treinamento. Estão sendo treinados em situação real e parte da operação é
financiada por dinheiro das Nações Unidas. A operação no Rio já é o primeiro
teste de usar estes retornados do Haiti em situação real no Brasil.
Hoje
bandos armados impõem sua lei e ordem, ou seu desrespeito à lei e sua desordem,
às populações civis do Rio. Episódios em que a sociedade fica encurralada pelos
bandidos já estão se banalizando. Não fazer nada é contratar uma ampliação do
território sob o controle dos bandidos. Reagir intempestivamente sem avaliar a
força do inimigo, sem ter estratégia e tática, pode ser o início de um grande
atoleiro. As Forças Armadas devem recorrer aos seus melhores cérebros. Esta é a
única arma certeira.‘
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