Em parte nenhuma do mundo a mídia é uma confraria de querubins. Para levar ao público fatos e idéias com honestidade – errando de boa fé, não de propósito – o jornalismo que se dá o respeito é uma caminhada sem fim sobre o fio de uma navalha manejada pela imensa massa de interesses que competem entre si por poder, riqueza e prestígio nas democracias de massa e economias de mercado.
Mais frequentemente do que seria o ideal, mas nem tanto a ponto de desqualificá-la, a imprensa escorrega e sangra em credibilidade por servir de instrumento de alguma(s) dessas forças. Isto posto e reconhecido, uma pergunta se impõe hoje:
Que autoridade moral – no sentido literal da expressão – tem a cúpula do PT para falar em “golpismo midiático”?
O termo está numa resolução aprovada pela executiva nacional do partido, que solta os cachorros contra o que diz ser uma “formidável chantagem pública contra sua própria existência”.
Bem ao estilo quebra-molas do seu presumível autor, o presidente interino Tarso Genro, o documento se refere às folhas tantas a órgãos de comunicação “inseridos voluntariamente nesta campanha de massificação totalitária da opinião contra o governo Lula e o PT”.
Do que se trata, afinal? O governo Lula adotou uma política econômica, em sentido amplo, que tem mais apoio na mídia do que no PT e entre o baronato indutrial. Não é por aí, portanto.
Tampouco foi a mídia que nomeou tesoureiro do partido o professor Delúbio. Muito menos o apresentou ao publicitário Marcos Valério para promoverem, decerto com aquiescência superior o processo de compra de políticos por atacado que entrou para a história como mensalão.
O Land Rover do então secretário petista Silvio Pereira não foi a mídia que deu.
E não foi a mídia que disse que o PT chegou ao ponto de usar “métodos delinquentes” para ganhar eleições. Foi o professor Paul Singer, petista de primeiríssima hora, pessoa por quem, como alguém disse esses dias em outro contexto, se pode pôr o corpo inteiro no fogo.
Banho de hipocrisia
Paul Singer, nunca é demais lembrar, foi um dos três membros [com o jurista Hélio Bicudo e o atual deputado José Eduardo Cardoso] da comissão interna de sindicância que examinou as denúncias do petista Paulo de Tarso Venceslau de que a prefeitura petista de São José dos Campos favorecia o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula e dono do apartamento em que este vivia de favor.
A comissão concluiu que as denúncias tinham base. As conclusões foram engavetadas. Paulo de Tarso foi expulso do PT.
Foi a mídia golpista que inventou a cobrança de propina para o caixa 2 do PT em Santo André e Ribeirão Preto? A contratação, a peso de ouro e por exigência de Lula, de Duda Mendonça para a campanha de 2002? O pagamento a Duda no exterior? A compra do apoio do PL a Lula por R$ 10 milhões e a entrega da vice a José Alencar?
Ah, sim. Foi a mídia que recorreu ao voto de cabresto na eleição interna de domingo?
O documento da executiva petista se banha em hipocrisia. Finge ignorar que partiram de petistas e ex-petistas, mais até do que dos setores reacionários da mídia, as piores críticas ao modo petista de ser. Leia-se, para citar os primeiros nomes que vêm à cabeça, César Benjamin, Fernando Gabeira, Chico de Oliveira, Eduardo Jorge, Heloísa Helena.
O documento também é um tributo ao eufemismo. Diz que o partido “não adotou mecanismos de controle para combater desvios”. Que desvios, cara-pálida? No mínimo dos mínimos, crime eleitoral, no capítulo caixa 2 da tragédia do mensalão.
O PT/governo roubou, deixou roubar e até hoje não quer punir os seus ladrões. Outros partidos e governos fizeram o mesmo – e neles se inspirou a agremiação que prometia mudar tudo isso.
Diga-se o que se disser da mídia brasileira – e muito os seus críticos dizem – não foi ela que tomou a iniciativa de “esmagar as esperanças de que partidos de esquerda podem governar com sucesso”.
Foi o PT que fez. Porque quis. Não queira agora jogar nas costas alheias a responsabilidade pelas consequências de seus atos.
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