Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Silêncio dos editoriais sobre manipulação de pesquisa constrange a mídia

Amanhã completa uma semana que a Editora Três, que publica Istoé, deu um passa-moleque nos jornais com a ‘pesquisa’ de preferência eleitoral encomendada junto ao Ibope para insuflar a candidatura do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho.

Amanhã, completam sete dias de silêncio nos editoriais dos jornais diante da manobra que teve como objetivo fortalecer o ex-governador do Rio de Janeiro na disputa interna do PMDB.


Quando a patranha foi descoberta, a empresa responsável pela revista fez publicar comunicado nos jornais jurando honestidade e correção em seu comportamento. Pena que seu passado recente diga o contrário em pelos menos dois casos altamente suspeitos. Um deles é o depóstio de R$ 300 mil que pingou na conta corrente do jornalista Gilberto Mansur, fiel escudeiro de Domingo Alzugaray, dono da editora, em negociação estranhíssima envolvendo a publicação da entrevista da ex-secretária de Marcos Valério. Outro, é o do telefonema interceptado pela Polícia Federal, no qual o diretor da cervejaria Schincariol, Adriano Schincariol, conversa com o empresário Luiz Lara, sócio da agência de publicidade Lew, Lara – uma das maiores do país. Corriam os últimos dias de 2004 e ambos versavam sobre a necessidade de ‘blindagem’ na imprensa. Na gravação, autorizada pela Justiça, Lara diz ao diretor da cervejaria, referindo-se a Alzugaray :


‘Se você der R$ 500 mil, R$ 1 milhão na mão dele, o dinheiro que for, agora. Nesta próxima semana, ele está com um problema de caixa seriíssimo, é gravíssimo… você pode contar com ele no ano que vem…’.


Mais explícito, impossível. Dois meses depois, com a imagem da cervejaria ainda no rés-do-chão por causa da prisão de parte de sua diretoria por sonegação fiscal e formação de qaudrilha, a Istoé Dinheiro, versão de Economia e Negócios da revista matriz, trouxe a reportagem de capa ‘A virada da Schin’. Tudo estava às mil maravilhas na empresa.


Esse e outros episódios ainda menos divulgados de passado recente na Editora Três mostram o nível a que podem chegar as negociações de reportagens pagas. Nelas, o leitor sempre compra gato por lebre.


O detalhamento deste fato ocorrido há mais de um ano é para refrescar a memória e mostrar como opera a proteção oferecida pelo ‘jornalismo de balcão’. Mais: serve também para lembrar que as demais editoras de jornais e revistas conhecem de sobra os procedimentos da Três. Sabem, portanto, da flexibilidade ética de Alzugaray. Apesar de conhecê-lo, ou porque o reconhece como um de seus pares, o dono da Editora Três foi preservado pelos jornais. A Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo foram que mais declaradamente se vexaram por terem caído no conto que teve Garotinho como vilão. Vários textos do Observatório da Imprensa também tratam do assunto, assim como meu vizinho de blog, Luiz Weiss, que hoje volta a manifestar sua indignação no Estado de hoje, com ‘Isto é fazer o leitor de bobo’.


Um muro separa as manifestações. Os jornais centraram fogo no pré-candidato do PMDB, Anthony Garotinho, o maior beneficiado pela manobra, ao passo que esse Observatório e outros críticos de mídia procuraram mostrar como o leitor está desprotegido diante de manobras que incluem veículos de imprensa na armação.


Além do sujeito objeto da crítica, outra diferença aprofunda-se com maior clareza à medida em que o tempo passa: nenhum jornal ou revista publicou editorial detratando o par que participou da negociata.


Qual a razão do silêncio? Por que os jornais embarcaram na história, transferindo aos seus leitores o engodo de que foram vítimas, mas não condenou a manobra editorial?


Ler também ‘Reportagem da Istoé Dinheiro sobre Schincariol cai na malha da Polícia Federal’, de 19/06/2006