Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Só um jornal foi para cima do senador

Cesta de três pontos do Globo na abordagem da crise desencadeada pela denúncia da Veja de que, de janeiro de 2004 a dezembro de 2006, Claudio Gontijo, lobista da empreiteira Mendes Júnior, pagou o aluguel de um apartamento para uma jornalista de Brasília com quem o presidente do Senado, Renan Calheiros, teve uma filha e uma pensão para a menina, somando R$ 16,5 mil mensais.


Além disso, ainda segundo a revista, em matéria assinada pelo repórter Policarpo Junior, o lobista pagava também um flat no Blue Tree da capital para uso pessoal do senador alagoano.


Cesta de três pontos porque, enquanto a concorrência ou trombeteava o óbvio ululante – ‘Acusação complica situação de Renan’ (Folha) – ou dava como certo o que ontem era apenas hipótese – ‘Ligação com lobista leva Renan ao Conselho de Ética’ (Estado, indo além do que banca a sua própria matéria) -, o jornal carioca foi direto para cima do senador, com ‘Renan dá explicações confusas sobre lobista’ (na primeira página) e ‘A contradição do senador’ (na principal matéria, assinada por Adriana Vasconcelos, Evandro Éboli e Ilimar Franco).


Fez mais ainda – do que se falará logo adiante para não perder o fio da meada.


O Globo simplesmente pegou no nervo exposto da nota do senador, a passagem em que ele assegura:


‘Jamais tive qualquer despesa ou gasto pessoal ou de meus familiares custeados por terceiros. Meus compromissos sempre foram honrados com meus próprios recursos.’


Pois bem. Em vez de se limitar, burocraticamente, a reproduzir o texto e ‘repercuti-lo’ entre os políticos, o Globo resolveu somar dois com dois. De um lado, o que Renan disse à Veja sobre os seus rendimentos. De outro, o que já havia dito.


Para sair do enrosco de que a sua paga de senador – R$ 12,7 mil – não lhe permitiria arcar, ele mesmo, com o sustento da filha e o aluguel da moradia da mãe, Renan alegou que, além do subsídio, ele possuía ‘rendimentos agropecuários’.


Só que, checando a mais recente declaração de bens informada por Renan à Justiça Eleitoral, o reportariado do Globo não viu nenhuma fazenda, nenhuma cabeça de gado. O homem disse ter uma casa, dois apartamentos, dois carros – tudo muito urbano, pois.


De posse disso, o jornal foi a Renan e deu com a cara na porta, ou melhor, na declaração da assessora de imprensa do senador de que se tratava de ‘assunto privado’ – como se os haveres e posses de servidor público ou mandatário só a ele dissessem respeito.


Tudo somado, tem-se por enquanto o seguinte: o lobista Gontijo confirmou à Veja os pagamentos. Com o dinheiro de quem? ‘Meu é que não era.’ A empreiteira também jura de pés juntos que nunca pagou nada a Renan por baixo dos panos – só contribuições legais de campanha.


Perguntar não ofende: alguém por aí sentiu cheiro de caixa 2? Mas passemos.


Bate com a afirmação da matéria da Veja sobre a proximidade – ou será promiscuidade? – entre o lobista e o senador a informação divulgada pela colunista Mônica Bergamo, da Folha, de que o primeiro estava ontem ao lado do segundo, como sua testemunha, na audiência de conciliação numa Vara da Famíliza do DF, em que mãe e pai se puseram de acordo sobre a pensão dele para a filha – R$ 7 mil.


O plus do Globo de que falei acima está na coluna Panorama Político, assinada por Tereza Cruvinel. Ou muito me engano, ou só ali nos jornais de hoje se encontra uma referência ao fato de que a matéria da Veja padece de um crônico problema de reportagens do gênero na mídia nacional: não tem corroboração.


É a velha história: um repórter pode ser um santo homem que nunca desobedeceu ao nono mandamento bílbico –  ‘Não darás falso testemunho contra teu próximo’ -, pode estar absolutamente convencido no íntimo de que é pura verdade o que apurou e vai escrever, mas, como diziam ontem os políticos da nota de Renan, ‘não basta, é insuficiente’.


Lembram-se do pacto dos repórteres Woodward e Bernstein, na cobertura do Watergate? Nunca afirmar algo que não possa ser atribuído a alguém, sem a confirmação de pelo menos duas outras fontes, que pudessem ser citadas, embora não identificadas.


Isso, a Veja não fez. Por isso, ela tem ‘meia razão’, nas palavras de Tereza, quando justifica, em nome do interesse público a publicação de uma história que tem a ver com o que a nota de Renan considera ‘uma turbulência circunscrita à minha mais íntima privacidade’.


Meia razão, explica Tereza, porque a Veja ‘afirmou, mas não provou, que a empreiteira pagou pensão a uma filha do senador, bancou o aluguel da mãe da menina e ainda cedeu um flat para Renan usar em reuniões discretas’.


É esse divulgar-sem-corroborar que dá razão inteira ao presidente Lula no seu comentário a respeito. Por menos que lhe interessem novas turbulências políticas, além das muitas já provocadas pela Operação Navalha – que ainda não parou de cortar -, é objetivamente incontestável o que declarou aos jornalistas que o abordaram num evento no Itamaraty:


‘Pobre de quem fizer julgamento de uma pessoa por uma matéria.’


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