Em entrevista dada ao Observatório da Imprensa [leia aqui], o deputado Antonio Carlos Biscaia, do PT do Rio de Janeiro, afirmou que o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública do governo Lula, ajudou a desfigurar o plano de segurança elaborado para a campanha do PT e hoje faz críticas ao governo por oportunismo, em ano eleitoral.
Luiz Eduardo Soares é antropólogo. Foi subsecretário de Segurança Pública e coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania do estado do Rio de Janeiro, entre janeiro de 1999 e março de 2000, assessor para a Segurança Pública de Porto Alegre, na gestão de Tarso Genro, em 2001, e secretário Nacional de Segurança Pública do governo Lula, entre janeiro e outubro de 2003.
Biscaia e Soares poderão ser candidatos a deputado federal pelo Rio de Janeiro, disputando votos junto ao mesmo público. A tentativa de reeleição de Biscaia tem apoio maciço do Ministério Público no estado. Soares não lançou sua candidatura, mas ela é dada como certa.
A seguir, a resposta de Luiz Eduardo Soares ao deputado Biscaia, colhida em dois telefonemas, nos dias 25 e 26 de maio.
“O plano foi abandonado’
“O deputado está inteiramente equivocado. Não tem noção de como ocorreu o processo. Nós supúnhamos, quando fizemos o plano [de Segurança Pública do candidato Lula], que a criação do Ministério da Segurança Pública era indispensável. Tanto que a nossa idéia original era ter o ministério. O Lula pediu que indicássemos não exatamente um ministério, porque isso poderia sugerir que seriam criados muitos cargos, problemas desse tipo. Jamais renunciei, jamais desisti da idéia ou a alterei. No governo de transição, o núcleo duro solicitou paciência, porque isso exigiria tempo”.
“Nós acedemos, e a alternativa que encontramos foi a de uma secretaria especial ligada diretamente ao gabinete da Presidência da República, que pudesse incorporar a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Senad [Secretaria Nacional Antidrogas], inclusive. Isso conferiria à Senasp, Secretaria Nacional de Segurança Pública, instrumentos e meios para implementar a política pela qual, nessa formulação [a do plano de governo] ela é responsável. Hoje, lamentavelmente, o meu sucessor [Luiz Fernando Corrêa] é um dos melhores profissionais deste país, uma pessoa honrada e extremamente competente, mas encontra dificuldades muito grandes, como eu encontrei, porque os poderes da Senad estão restritos à distribuição dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, um instrumento de indução que se torna cada vez mais frágil e limitado na medida em que os contingenciamentos ou cortes orçamentários o têm reduzido. Eu jamais aceitei ou concordei com a redução de status, ou a não elevação ao status de secretaria especial, sempre lutei por isso, e aceitei conviver com essa situação porque o governo sempre apontava para o futuro, dizendo: ´Isso é um processo, nós vamos construir esta realidade, há passos que devem ser seguidos, estamos por enquanto num primeiro estágio´, e fomos negociando nessas bases. O presidente da República defendeu publicamente o plano, chegou a mencioná-lo no último debate da campanha na TV Globo, quando [José] Serra disse que iria criar um ministério. [Lula] disse que iria criar a Senasp, com vínculo direto com a Presidência, e quanto a isso os dois candidatos não diferiam basicamente. Isso está registrado, eu tenho inclusive essa fita do debate. Quando o Lula se comprometeu com nosso plano, e com esse ponto em particular, eu aceitei ser secretário, mesmo sem que esse tópico fosse atendido no primeiro momento, porque havia dentro do governo a perspectiva de que, com o avanço do trabalho, nós configuraríamos, sim, todo o quadro da institucionalidade nacional, que hoje é absolutamente ingovernável, fragilíssima, fragmentária, como nós já dizíamos no nosso plano. A própria Senad, que o ministro [da Justiça, Marcio Thomaz Bastos] jurou para mim, de pés juntos, que viria para nosso âmbito de responsabilidade, permanece entregue à Secretaria de Segurança Institucional do gabinete do presidente, como ocorria na época do Fernando Henrique. O deputado Biscaia defende a elevação do status da Secretaria de Segurança Nacional, com toda a razão, como nós sempre defendemos, e eu sempre fui fiel ao plano”.
“O Plano de Segurança [do candidato Lula] foi abandonado. Em 10 meses eu consegui aprovar com 27 governadores a criação de 27 gabinetes de gestão integrada de segurança pública. Isso exigiria mais ações. Mas é arriscado assumir protagonismo. Para não correr riscos, o núcleo duro do governo resolveu empurrar com a barriga. Em contrapartida, aparecem incursões da Polícia Federal. Algumas boas, outras não. Biscaia deveria ser mais conseqüente e cobrar do governo a não-realização das políticas, em lugar de fustigar quem critica”.
“As questões relativas ao debate público são: a institucionalidade tal como hoje nós a temos. Eu e Biscaia fomos co-autores do plano do governo. Nós dizíamos que não. Por quê? Porque há uma fragmentação muito grande. A Senasp, que é responsável pela formulação da polícia, não tem os meios para implementar aquilo que formula. É necessário dotá-la de mais poderes e de capacidade orgânica para articular as instituições que poderiam ajudar a levar adiante o plano, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Essa é uma questão tão relevante que foi reconhecida como pertinente até pelos adversários do Lula quando apresentamos nosso plano [março de 2002]’.
“Busca-se desqualificar o autor da crítica”
“Isso sempre foi um foco de tensão. O deputado está equivocado quanto às minhas opiniões. Dizer que se trata de oportunismo é um discurso vazio. Busca-se desqualificar o autor da crítica. Eu preferiria que o deputado discutisse as questões”.
“Esse tema é bom para campanha eleitoral e ruim para governar. Na campanha, todos assumem compromissos. No governo, não cumprem”.
“É um debate importante para a nação e nós devemos discutir isso independentemente de quem seja ou venha a ser o ocupante dessa ou daquela cadeira, ou partido. Eu espero que, seja o Lula reeleito, ou qualquer outro presidente, nós possamos ter um plano de segurança pública. Isso eu digo como militante da área por 30 anos. O Biscaia pode dizer também. Nós aí concordamos. O resto é da baixa política, que não vale a pena porque diminui as possibilidades de uma discussão de alto nível”.
“Nós devemos discutir sem tornar isso uma briga partidária e política, num sentido menor, porque isso acaba nos privando da qualidade que procuramos infundir ao debate público”.
“Estamos no pior dos mundos”
“O que ocorreu em São Paulo mobilizou todo mundo que trabalha na área. A reação legítima e necessária da polícia se transformou numa vendetta. Seria o grande final que o criminoso quer. O Estado permitir que o crime triunfe. O país está empurrando com a barriga a tragédia. Encarcera, não respeita os direitos e não implementa controles. Gera ódio e ressentimento que se transformam em atos terroristas. Estamos no pior dos mundos”.
“No Rio de Janeiro, o quadro é grave. Não há política de segurança séria. São feitas invasões bélicas. Morrem policiais, cidadãos, traficantes. Houve momentos positivos, intervalos. Eu mesmo participei das ações que deram os melhores resultados em 15 anos”.