Pode dar em nada, na prática, a polêmica decisão do juiz Alberto Anderson Filho de autorizar a transmissão ao vivo do julgamento de Suzane von Richthofen e dos irmãos Daniel e Christian Cravinhos, marcado para segunda-feira, em São Paulo.
Pode dar em nada porque o Supremo Tribunal Federal, que controla o canal a cabo TV Justiça, avisou que manterá a sua programação normal naquele e nos dias seguintes.
A questão só mudará de figura se a TV Justiça concordar em ceder o seu sinal para outras emissoras, mesmo que ela própria só transmita o julgamento depois que tiver terminado.
De qualquer forma, a decisão do juiz Anderson Filho, noticiada em primeira mão pelo Estado de ontem, desencadeou uma oportuna controvérsia.
Os que defendem a transmissão alegam que:
1.O julgamento é público, por lei.
2.A transmissão ao vivo permitirá ao povo entender como funcionam os tribunais de júri; entendendo, deixará de criticar atos legítimos, mas que lhe parecem absurdos, como o do juiz que autorizou o jornalista Pimenta Neves, assassino condenado, a recorrer em liberdade.
Os que se opõem à transmissão ao vivo alegam que:
1.Do fato de o julgamento ser público não deriva necessariamente que deva ser exibido ao vivo pela TV.
2.O televisionamento pode interferir na decisão dos jurados e do juiz. Para a opinião pública, a ré é um monstro, por ter engendrado o assassínio dos pais, e merece ser executada, se houvesse pena de morte no Brasil. Nesse clima, os que têm o poder de dizer se os réus são inocentes ou culpados e aquele que tem o poder de fixar as suas penas, na segunda hipótese, ficarão sob óbvia pressão. Com as câmaras ligadas, acusação e defesa levarão a extremos o componente teatral próprio desses julgamentos.
3.Além disso, o julgamento de um delito capitulado no Código Penal – ainda mais um homicídio – é uma situação de tamanha gravidade que exige o máximo de austeridade dos seus participantes. A transmissão ao vivo dos procedimentos judiciais os transformará, fatalmente em mais um espetáculo, nesta que já é a civilização do espetáculo, movida por uma indústria do entretenimento que estimula e serve à curiosidade mórbida das pessoas. Reduzida a uma variante do BBB, a seriedade necessária a uma decisão que envolve, se não a vida, a liberdade humana, vai para o espaço.
Eu também penso assim. Não é porque existe um grande interesse da população no caso, que este “precisa ser respeitado e atendido”, como escreveu no Estado de hoje, talvez sem pensar, a habitualmente lúcida procuradora Luiza Nagib Eluf.
Parece escapar-lhe que, por serem o que são, o rito judicial e principalmente a sua integridade devem ser preservados da influência negativa das emoções populares.
Fico com o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, também no Estado de hoje:
”Crime não é show. Justiça não é entretenimento. Júri não é negócio.”
Fico ainda com o jornalista e sociólogo Laurindo Leal Filho, professor da USP:
”Pelo que aconteceu na cobertura do PCC, dá para ter idéia da falta de respeito de alguns telejornalistas e duvidar se a cobertura será equilibrada.”
E fico, enfim, com a decisão do diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, Albino Castro Filho, com ou sem a transmissão do julgalmento ao vivo:
”Vamos noticiar o caso como um caso de polícia. Não vamos transformar o julgamento em um espetáculo sensacionalista.”
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