Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um caso de falta de sintonia, três de falta de imaginação

Em janeiro de 1982, quando morreu Elis Regina, duas revistas semanais brasileiras fizeram história.


A Veja, com a sua reportagem intitulada ‘O amargo brilho do pó’, que lhe valeu ampla e merecida condenação.


E a IstoÉ, pela ousadia sem precedentes, ao menos no Brasil, de diminuir o espaço ocupado na capa pelo nome da revista, o seu logotipo, para ressaltar o luto nela estampado, numa genial criação do artista gráfico Hélio de Almeida.


Não, não aconteceu nada parecido nos jornais de hoje – para falar mal ou bem de Bussunda -, mas a lembrança talvez se justifique pelo senhor erro jornalístico do Estadão no modo como noticiou a morte do maior humorista nacional.


Na primeira página, uma chamada discreta, muito abaixo da dobra, quase caíndo do jornal.


Na Folha, a chamada está no alto da primeira, à esquerda.


No Globo, o fato foi manchete – decisão certa, mesmo levando em conta que o humorista trabalhava para a TV do mesmo grupo.


Dentro, o Globo deu à tragédia quatro páginas inteiras. Muito? Neste caso, quando se trata de um morto querido por todos quantos o viam semanalmente no Casseta & Planeta, o melhor programa humorístico da TV brasileira, antes errar por excesso.


A Folha, cuja empresa não o tinha entre os seus funcionários, deu-lhe praticamente todo o espaço útil na primeira página do caderno Cotidiano e mais duas inteiras, no mesmo caderno, incluíndo uma competente matéria médica, ‘Demora em procurar ajuda pode ter levado ao infarto’, acompada do quadro-serviço ‘Coração em risco’, de óbvia utilidade prática para o leitor.


No Estado, com o qual Bussunda colaborou entre 1993 e 1998, ele não mereceu mais do que cerca de meia página, numa matéria informativa, porém absolutamente glacial, acompanhada da burocrática noteta ‘Repercussão’, que só cita Lula,Gil, Ziraldo, Denise Fraga e Hélio de la Peña, um dos parceiros do comediante.


Foi esse espetáculo de falta de sintonia com o sentimento dos leitores que me fez lembrar a infausta matéria da Veja sobre Elis Regina – e o seu antípoda, a capa da IstoÉ.


Agora, um pecado todos os três grandes jornais cometeram – indo ao encontro do que escreve hoje o ombudsman da Folha, Marcelo Beraba, sobre o tratamento da imprensa diária à Copa do Mundo.


‘As páginas’, critica, ‘são ocupadas basicamente pelo noticiário já conhecido da véspera […] Este talvez seja o maior problema’.


Pois o maior problema dos títulos que anunciam a morte do humorista – ‘Bussunda morre aos 43 na Alemanha’ (Folha), ‘Infarto mata Bussunda na Alemanha’ (Globo) e ‘Bussunda morre de enfarte na Alemanha’ (Estado)- é rigorosamente o mesmo. Não acrescentam uma vírgula ao que desde sábado cedo o leitor já sabia, pelo rádio, TV e internet.


Por que não algo como ‘Morte de Bussunda leva luto ao Brasil da Copa’?


Se Cláudio Besserman Viana padecesse da mesma falta de imaginação de certos jornalistas, nem o Bussunda, nem o Casseta & Planeta teriam nascido.


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