Se tem uma coisa que a mídia brasileira cobre mal e porcamente é a mídia brasileira.
O pouco que sai sobre o setor trata quase sempre do negócio da comunicação.
E mesmo assim quando se trata de informações “neutras” sobre investimentos, acordos comerciais, relações com a publicidade.
Que eu me lembre, apenas a Folha publicou há alguns anos um materião sobre a crise dos conglomerados de mídia – sem se excluir dela – que dizimou redações inteiras.
Agora, notícias e análises de políticas e decisões editoriais são raridades. Colunas de pirulitos a respeito estão a anos-luz de preencher a lacuna.
A imprensa brasileira age como se no mundo de hoje, e tanto mais nas democracias de mercado, a mídia não fosse ela mesma, objetivamente, protagonista das realidades de que se ocupa.
O pacto tácito de silêncio se justificaria pelo potencial conflito de interesses embutido em cada reportagem ou comentário que um periódico publicasse sobre o concorrente.
Mas se assim fosse, no mais competitivo ambiente que se conhece – os Estados Unidos – jornais e revistas não teriam editorias de mídia para cobrir o setor como outro qualquer e analistas de mídia, que entrelaçam nos seus textos apurações e interpretações.
Se colossos como o New York Times, o Los Angeles Times e o Washington Post podem escrever sobre si mesmos e a competition por que os nossos jornalões não podem fazer o mesmo – indo além, por exemplo, da semanal avaliação crítica assinada pelos ombudsmans da Folha.
Na Inglaterra, o país ocidental com a maior e mais diversificada oferta de diários, sabem quantos textos sobre mídia – em sentido amplo, abrangendo assuntos de publicidade e internet – saíram hoje nos 10 jornais mais lidos no país inteiro?
52.
Aqui em São Paulo foi preciso rebentar a guerra do PCC para que os jornais líderes, Folha e Estado, encarassem hoje – no sétimo dia da crise – o tema do papel dos meios de comunicação em um quadro de grave comoção pública, como escreveria um editorialista.
Mesmo assim, a Folha preferiu dar suas duas únicas matérias a respeito – “Governo diz que entrevista é falsa” [sobre a reportagem do Jornal da Band do fim da noite de quarta-feira com o chefão do PCC, o Marcola] e “Tvs ajudaram a criar pânico, diz ombudsman” [a partir do que o ouvidor da TV Cultura, Osvaldo Martins, publicou no site da emissora] -– numa página cujo título principal é “Hotéis perdem 60% de hóspedes esperados”.
O Estado pelo menos compensou parte do atraso com uma página inteira sobre a mídia e a crise na segurança.
Nela, não só a matéria sobre a duvidosa entrevista da Band é maior que a do concorrente (113 linhas de coluna ante as 90 da Folha) como ainda aparece um fotão mostrando, conforme a legenda, “pedestre diante de uma loja de eletrodomésticos, no centro de São Paulo, para acompanhar o noticiário”, com a TV em segundo plano exibindo armas em close.
E mais: uma matéria sobre o recorde de audiência do RedeTV! News e as críticas ao programa da major Maria, chefe interina de comunicação social da PM. Além de desmentir diversas informações do telejornal ancorado por Marcelo Rezenda, ela acusa a emissão de aterrorizar a população.
”As linhas do 190 congestionaram, as pessoas ligavam em pânico”, relatou. E “quando eles [a RedeTV!] desmentiram alguns dados, era tarde. O impacto já havia sido criado”.
Esse pacotinho já estaria de bom tamanho, considerando a ínfima cobertura que a mídia nacional oferece de si ao leitor. Mas o Estado lhe acrescentou uma breve e substancial entrevista do professor Renato Janine Ribeiro, que leciona Ética e Filosofia na USP – “A TV está contribuindo só para que a sociedade se torne mais vingativa”, avaliou ele – e uma original reportagem de Fabiano Rampazzo sobre a (ir)responsabilidade na internet, onde se multiplicam falsos alertas, mas também se organizam passeatas para o Dia da Dignidade Nacional [depois de amanhã] em várias capitais.
Serão necessários outros atentados e matanças para a imprensa se expor de novo, e bem mais do que agora, ao público a que deve servir?
Ver, a propósito, as notas “Síndrome de pânico em SP”, de 17/5, e “PCC na TV: o que não se deve esquecer”,de 15/5.
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