Quem primeiro teve a má idéia – para um jornal que passou a vida fazendo praça de sua seriedade – foi O Estado de S.Paulo.
Como desgraça pouca é bobagem, dois outros jornais de circulação nacional e pelo menos um blogueiro, que se ofenderiam se alguém dissesse que são menos sérios do que aquele, passaram a imitá-lo fazendo o que qualquer manual de jornalismo, em nome da ética do ofício, há de proibir expressamente.
A má idéia foi praticamente ignorar que o suspeito de ter encomendado a eliminação do prefeito de Santo André, Celso Daniel, tem nome – Sérgio Gomes da Silva – e se referir a ele, sempre ou quase, pelo apelido.
Pela única e vergonhosa razão de ser o apelido “Sombra”. Se o apelido fosse, por hipótese, “Narigudo”, “Pé-de-moleque”, “Gogô” – ou qualquer outro sem a pesada conotação daquele – não haveria hipótese de ser encampado pelos que encamparam a tese do Ministério Público paulista de que a morte de Daniel foi “crime de mando” e não crime comum – e assim fazem justiça pelas próprias palavras antes que a Justiça o faça.
Digo mais: se ficar provado que Gomes fez o que se lhe atribui, nem assim a imprensa que outrora se intitulava sadia terá o direito de chamá-lo por uma expressão que ele rejeita e não é unânime no seu círculo, diferentemente de Fernandinho Beira-Mar, por exemplo.
Leia-se o que informa hoje, sob o título “Gomes da Silva é questionado por depósitos”, a Folha de S.Paulo – o único dos três grandes diários brasileiros que não atropelou a ética, no caso:
“Logo no início do seu depoimento [à CPI dos Bingos], Gomes da Silva fez questão de explicar que é conhecido pelo apelido de “Chefe”, inclusive usado por Celso Daniel para se refeir a ele. Segundo o empresário, o apelido “Sombra” só surgiu […] a partir dos depoimentos do Ministério Público de Santo André. “Esse nome é sugestivo. É quase uma encomenda”, afirmou.”
E adiantou alguma coisa a sua versão?
O Estadão – que no começo não gostava de ser chamado assim, por sinal, mas depois se apropriou do superlativo, a ponto de usá-lo em anúncios e na Internet – tascou o termo Sombra em dois títulos e 14 vezes nos respectivos textos, três das quais num híbrido “Sérgio Sombra”.
Além disso, publicou uma foto dele – que autor e editores devem ter achado o fino da bossa – com a própria sombra.
Se algo do gênero saísse na primeira página de um tablóide de esgoto como o londrino Sun, o de maior circulação na Europa, os jornalistas brasileiros bem-pensantes balançariam a cabeça, torceriam o nariz e diriam, à maneira dos personagens de quadrinhos, “tsk, tsk, tsk”.
E o Globo, que tem no jornalista e articulista Luiz Garcia o seu primeiro e implacável leitor? Numa materiola de 384 palavras sobre a sessão da CPI em que ele foi ouvido, Sombra aparece cinco vezes. Gomes, uma.
Até o Valor, tão austero, embarcou nessa, no título – no qual, de resto, ficou faltando a palavra “que” e tem um “foi” sobrando – “Sombra diz foi também foi vítima”.
Fechando o círculo dos textos que tive tempo de ler agora cedo, o blog “Nos bastidores do poder”, de Josias de Souza – da mesma Folha de S.Paulo que se distingue pelo contraste com a concorrência e que talvez possa ensinar ao seu jornalista uma coisa ou duas nesse particular – é Sombra a não poder mais: do título ao pé do texto, 10 menções.
Isso se chama linchamento moral.
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