A citação de reportagens no horário político gratuito é hábito comum e surrado, assim como é comum o uso enviesado dessas reportagens pelos partidos políticos. Não raro, certos da impunidade, os marqueteiros eleitorais tentam vender gato por lebre aos telespectadores com referências e citações da mídia impressa, excluindo, é claro, qualquer conotação crítica ou negativa que a reportagem exponha.
Anteontem, no horário político do PSDB, o programa dedicou atenção especial à (in)Segurança Pública evidenciada pelo cerco do PCC ao governo de São Paulo. Entre os vários argumentos apresentados, pinçou uma reportagem do Valor Econômico, limitando-se, entre uma realização e outra da administração do PSDB em São Paulo, à reprodução do título de uma reportagem do Valor Econômico.
Pegou mal. Hoje, o jornal estrila, com razão, na reportagem ‘Tucanos fazem uso indevido de reportagem na TV’, assinada por Caio Junqueira. Segundo o texto, que ocupa quase ¼ da página A11 da edição de hoje, ‘a propaganda eleitoral do PSDB citou indevidamente uma reportagem publicada no Valor no dia 22 de maio de 2006, intitulada ‘Orçamento da Segurança Pública cresceu 70% na gestão Alckmin’.
Na seqüência, o protesto do jornal resume:
‘No programa, uma voz afirma que iria mostrar a verdade sobre a segurança em São Paulo e estampou o título da matéria. Muito embora isso esteja no começo da reportagem, devidamente comprovado pelos dados obtidos pela reportagem no Sistema de Gerenciamento Orçamentário do Estado de São Paulo (Sigeo), o restante -e maior parte- não foi mencionado pelo partido: as prioridades de investimentos entre os anos de 2001 e 2005 -período em que Geraldo Alckmin esteve no comando do governo do Estado’.
‘A reportagem’, continua o Valor, ‘revelou que a política de segurança pública na era Alckmin focou o policiamento repreensivo em detrimento dos policiamentos investigativo e técnico-científico. Isso foi comprovado pelos valores investidos nas polícias responsáveis por cada uma dessas áreas. Na Polícia Militar (prevenção), foram R$ 285,7 milhões; na Civil (investigação), R$ 8,5 milhões; e na Superintendência Técnico-Científica, R$ 1,9 milhão.’
‘A reportagem mostrou ainda que a maior concentração de investimentos em segurança foi em 2002, quando Alckmin foi candidato à reeleição. Naquele ano, os investimentos feitos na PM alcançaram R$ 102 milhões, dos quais R$ 83,5 milhões só para a compra de carros. No mesmo ano, foram investidos na Polícia Civil R$ 1 milhão e, na científica, R$ 89 mil. Esses dados também não foram citados no programa.’
‘O PSDB também não mencionou as conclusões do especialista ouvido pela reportagem, Guaracy Mingardi, diretor científico do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente – organização não-governamental vinculada à ONU. Sobre os dados apresentados, Mingardi afirmou: ‘O resultado disso afeta a qualidade da investigação. (…) Priorizar a PM significa deixar de focar a investigação. E a investigação é central no combate ao crime organizado, que, geralmente, não comete crimes que a PM possa evitar. Por exemplo, o tráfico de drogas. A polícia militar consegue pegar mais pequenos e médios traficantes. Para se chegar aos grandes, é necessário investigar. Mas para isso precisa dar qualidade a essa investigação. E essa qualidade é dada reforçando a polícia civil e, especialmente, a técnica’.’